Queridos terroristas

Anabela Fino

Abu Mohammad al-Julani, nome de guerra de Ahmed Hussein al-Chara, tirou o turbante, aparou a barba, vestiu um fato à ocidental, mudou o discurso, e logo a Voz da América, esse órgão de comunicação social mais do que todos isento e pluralista, também conhecido como porta-voz da CIA e do regime norte-americano, o apresentou ao mundo como o novo amigo da civilização ocidental.

A reciclagem do líder da Hayat Tharir al-Sham – HTS –, uma das faces da al-Qaida, a tal organização terrorista fundada por Bin Laden com o apoio dos EUA no tempo em que o Afeganistão era um Estado laico e progressista, foi tão rápida que nem deu tempo a que Washington e a União Europeia o retirassem da lista dos terroristas, tal como à al-Qaida, al-Nusra ou HTS, os seus heterónimos.

Até há escassos dias, Joulani tinha a cabeça a prémio: os EUA ofereciam 10 milhões de dólares por ele, o que não o impediu de dar uma entrevista à CNN, onde de forma muito cordata declarou desejar ser amigo de toda a gente, excepção feita ao presidente deposto Bashar al-Assad, ao Irão e ao Hezbollah, naturalmente.

O querido terrorista de Damasco junta-se ao selecto clube dos novos democratas do Médio Oriente, a saber, os talibãs de Cabul com o seu florescente Estado islâmico, o governo fantoche do Iraque acantonado atrás da “linha verde” em Bagdad, e os senhores da guerra no Estado falhado em que a Líbia se tornou graças à humanitária intervenção dos EUA e acólitos.

No retrato de família não podia faltar, e não falta, a ‘única democracia’ do Médio Oriente, como no mundo ocidental se chama a Israel, que à boleia dos terroristas da HTS, perdão, dos ‘rebeldes’ sírios, estão há mais de uma semana a bombardear a Síria, destruindo infra-estruturas fundamentais e ocupando terreno, curiosamente sem que se dê nota relevante do número de vítimas. O silêncio da ONU, dos EUA e da UE, por coincidência os mesmos que despejam condenações, armas e sanções contra a Rússia por invocar em relação a Kiev argumentos de segurança idênticos aos invocados por Israel para destruir, ocupar, anexar e matar palestinianos, libaneses e sírios, é atroador.

Numa altura em que a NATO insta os aliados europeus a investir na indústria bélica e os EUA se preparam para aprovar um orçamento de defesa na ordem do milhão de milhões de dólares, superior à soma dos gastos das nove maiores potências militares, é legítimo concluir que ser terrorista é o que está a dar.



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