Excedente, défice e logro
O Governador do Banco de Portugal decidiu vir alertar para a possibilidade do regresso do “défice” nos próximos anos. Ou seja, as contas públicas deixariam a actual situação excedentária e “entrariam no vermelho” segundo a sempre especializada opinião da nossa praça.
Deixando de parte outras motivações que terão levado Mário Centeno a querer tornar-se notícia, o facto é que a questão do “défice” voltou a ocupar palco. Mas não se pense que foi para questionar a descida do IRC, que desviará 400 milhões de euros de recursos públicos – por ano – para os bolsos dos grupos económicos e que juntou PSD, CDS, Chega, IL e o PS na sua aprovação. Ou para questionar os mais de 1800 milhões de euros de benefícios fiscais (IRC) anuais cujo destino é o mesmo. Ou para confrontar o próprio PSD que, nas vésperas das eleições, assegurava ser fácil pôr a economia a crescer 3% ao ano quando, neste momento, o que se vê é desaceleração. A obsessão do défice está a servir, como serviu antes, para condicionar salários, pensões, carreiras e direitos, para degradar serviços públicos, para travar o significativo aumento do investimento público.
Esta recorrente ameaça que vai sendo lançada, construída a partir de um logro chamado “contas certas”, que desconsidera as possibilidades que um Estado soberano tem na gestão dos seus recursos, da sua dívida, da sua tesouraria – e que é inseparável da submissão ao euro e às regras que lhe estão subjacentes – é irmã gémea da política única, da política de direita sobre a qual dizem não haver alternativa.
“Contas certas” que nunca põem em causa os interesses e os privilégios do grande capital, pelo contrário, expressam-se de forma implacável na degradação do SNS, na Escola Pública, na Ciência e na Cultura, no direito à mobilidade ou à habitação, na produção nacional.
Mas desenganem-se os que encontram nesta nossa crítica uma abordagem irresponsável sobre os recursos do País. Nada mais falso. O que dizemos é que o equilíbrio orçamental deve ser gerido de outra forma, desde logo com uma mais justa política fiscal que tribute de facto o grande capital para obter os recursos de que o País necessita. E, sobretudo, uma política que em vez de amarrar o Portugal à estagnação económica, faça a economia crescer de facto, com o aumento do investimento, a dinamização do consumo e do mercado interno, a aposta na produção nacional.