Legado de guerra na Europa
Apesar de “coxa”, a Administração cessante dos EUA desenvolve esforços desesperados para afirmar o legado da guerra na frente da Ucrânia. Não se sabe o que virá depois de 20 de Janeiro, mas até lá a Casa Branca parece disposta a queimar muitos dos cartuchos disponíveis (e mesmo os que não possui) na escalada provocatória contra a Rússia e prolongamento artificial de uma guerra que poderia e deveria ter sido evitada.
Logo após as eleições norte-americanas, Biden foi célere em instruir o Pentágono para realizar em contra-relógio, nos próximos dois meses, o remanescente de seis mil milhões de dólares do pacote de 61 mil milhões de fornecimentos militares a Kiev, aprovado por Washington em Abril. Da verba em causa, teoricamente, supõe-se que apenas cerca de 4 mil milhões de armas possa sair dos stocks em armazém, embora se afigure altamente problemática a sua entrega num prazo tão comprimido. A parte restante respeita a novas encomendas à indústria militar com prazos de entrega dilatados…
Seguiu-se, no passado fim-de-semana, o anúncio da famigerada autorização do emprego de mísseis norte-americanos contra alvos em território da Federação Russa, veiculado pelo New York Times. Segunda-feira, Borrell antecipou-se a Biden e ao Departamento de Estado para confirmar a decisão e, perante as divergências existentes na UE, apelou aos países-membros do bloco para seguirem o exemplo. Antes, o Le Figaro havia noticiado que Londres e Paris também deram luz verde a Kiev para o emprego dos seus mísseis contra território russo. Cabe sublinhar que o anúncio do NYT da decisão de Biden aconteceu após o telefonema de Scholz a Pútin, o primeiro em cerca de dois anos, e num momento em que a perspectiva da necessidade imperiosa do regresso à via negocial para a resolução do conflito vinha a ganhar terreno.
O novo passo incendiário dos EUA, a pretexto da pretensa presença militar norte-coreana na linha da frente no território russo de Kursk, foi aplaudido por uma corte extensa de falcões da guerra que parece encapsulada numa verdadeira bolha alucinatória. O seu exacerbado ódio de classe, num mundo em que sentem estar a perder o pé, cismou-se na loucura de alcançar a “derrota estratégica” da Rússia sem olhar a meios (num caderno de encargos volumoso, no meio da ansiedade do imperialismo para carregar a fundo contra a ameaça existencial representada pelo desenvolvimento e ascensão da China).
Em Setembro, o presidente russo alertara que o passo agora dado significaria a alteração da natureza da guerra, representando a entrada numa fase de confrontação directa dos EUA e da NATO com a Rússia. Nesta terça, Moscovo publicou a nova versão da doutrina de dissuasão nuclear, no mesmo dia em que confirmou um ataque contra uma base militar no distrito de Briansk com mísseis ATACMS (que os militares ucranianos não estão em condições de operar sem a participação dos EUA).
Quaisquer que sejam os cálculos imediatos para a insana última cartada na Ucrânia de Washington e dos seus proxies da NATO e UE, são remotas as possibilidades de alterar radicalmente o curso da guerra na Ucrânia. Mas pode empurrar a Humanidade para o desastre. É tempo de acabar com esta guerra e avançar para uma nova arquitectura de efectiva segurança europeia, incompatível com a aposta militarista dos EUA e a expansão da NATO.
Antes que seja tarde...