Afinal está tudo bem...
Há umas semanas, ironizámos nesta coluna com o “prazo” dado pelos EUA para que Israel “melhorasse” a situação humanitária na Faixa de Gaza. Caso não o fizesse, a administração norte-americana ponderaria a suspensão de algum apoio militar ao país… A solenidade do “ultimato” foi tal que envolveu o Secretário de Estado, Anthony Blinken, e o Secretário de Defesa, Lloyd Austin.
Entretanto, o prazo terminou, as eleições nos EUA passaram, aquele território palestiniano é cada vez mais um campo de desolação, sofrimento e morte e… nada. Como se esperava. Por mais garantias que Israel tenha dado de que sim, melhoraria a situação, e por mais preocupações que os EUA tenham manifestado, os bombardeamentos prosseguem (contra acampamentos de refugiados, escolas e hospitais, ou o que deles ainda restava), a fome e as doenças continuam a alastrar. Há dias, uma responsável da UNICEF, Catherine Russell, salientava que toda a população do Norte da Faixa de Gaza se encontra em «risco iminente» de morte – por doenças, desnutrição ou pelos bombardeamentos contínuos de Israel.
Num relatório de Outubro da estrutura internacional que mede os níveis de (in)segurança alimentar (IPC), conclui-se que 86% da população daquele território – mais de 1,8 milhões de pessoas – enfrenta uma situação de fome ao nível de “crise” ou superior. A grande maioria está em situação de “emergência” e para cima de 130 mil encontram-se mesmo em fome “catastrófica”. O estudo prevê que os casos mais graves possam triplicar nos próximos meses.
Na carta enviada por Blinken e Austin exigia-se a entrada na Faixa de Gaza de pelo menos 350 camiões de ajuda humanitária por dia, todos os dias. Mas, segundo Louise Wateridge, coordenadora de emergência da UNRWA (a tal agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos que Israel declarou ilegal, como se o pudesse fazer…), a média em Outubro foi de 37 camiões, «para uma população de 2,2 milhões de pessoas que precisam de absolutamente tudo. Não é suficiente, nunca será suficiente».
Num outro relatório, do Gabinete do Alto Comissários das Nações Unidas para os Direitos Humanos, destaca-se o significativo agravamento – no último mês – das limitações aos movimentos de pessoas no território e o facto de 70% das vítimas mortais verificadas serem crianças e mulheres. A ONU contabiliza ainda em cerca de 1,9 milhões de pessoas (90% do total) as que estão deslocadas – muitas delas foram-no 10 vezes ou até mais nos últimos 400 dias.
Apesar de tudo isto, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Patel, não encontrou indícios de que Israel tenha violado a lei norte-americana sobre ajuda humanitária, pelo que não haveria motivos para reduzir o financiamento militar.
É assim o imperialismo – seja ele democrata ou republicano.