Imoralidades

Gustavo Carneiro

Guy Zeken é um militar israelita regressado há meses de Gaza, onde manobrava uma escavadora. O seu colega, Ekliran Mizrahi, suicidou-se pouco depois de voltar: «Vimos coisas muito, muito, muito difíceis (…). Coisas que são difíceis de aceitar», salientou no parlamento israelita, onde recordou que os soldados, com escavadoras como a sua, atropelaram pessoas, «vivas e mortas, às centenas». Por esta razão, nunca mais comeu carne, que lhe traz à memória os corpos despedaçados.

Outro ex-militar, Yotam Vilk, voluntariou-se para o exército em Outubro de 2023 e esteve na Faixa de Gaza durante oito meses. Hoje, é um dos 130 subscritores de uma carta aberta aos governantes israelitas na qual explicam porque se recusam a servir de novo. As suas “linhas vermelhas” foram ultrapassadas quando percebeu que o governo de Israel não estava interessado na paz, apesar de a «destruição em Gaza se tornar cada vez mais difícil, as vidas dos palestinianos cada vez mais difíceis e as vidas dos reféns israelitas cada vez mais difíceis». Vilk não quer participar numa guerra que culmine na recolonização da Faixa de Gaza, como teme que vá acontecer. «Senti-me traído pelo meu governo.»

Max Kresch também subscreveu a carta, após cumprir serviço militar na fronteira com o Líbano. Uma experiência que lhe foi muito difícil, recorda, sobretudo pela atmosfera «religiosamente militarista» que se vivia nas fileiras: «Uma parte muito significativa das pessoas com quem estive sentiu-se religiosamente inspirada para lutar nesta guerra.» Um soldado da sua unidade chegou a dizer-lhe que era um «dever religioso judaico» matar palestinianos em Gaza, incluindo crianças, «que iam crescer e tornar-se terroristas».

Médico militar durante três meses naquele território palestiniano, Yuval Green também não vai voltar. «Ideias como matar toda a população palestiniana tornaram-se subitamente bastante populares», denuncia, garantindo que os responsáveis políticos e militares israelitas «não querem saber da vida dos palestinianos. Infligimos tanto dano em Gaza, mais do que é possível conceber por qualquer pessoa razoável»… Outro ex-combatente que se recusa a regressar é Ofer Ziv, que prefere ir para a prisão do que «participar naquilo que estamos a fazer em Gaza». Yuval e Ofer foram dois subscritores de outra carta com os mesmos objectivos, em Maio deste ano.

Estes relatos não tiveram eco nos noticiários nem deram manchetes, embora sejam relativamente fáceis de encontrar em meios “ocidentais”. E há mais, e bem mais antigos, no sítio da organização israelita Breaking the Silence (www.breakingthesilence.org.il). Mas isso estragaria a narrativa da “defesa” de Israel, do “exército mais moral do mundo” e do radicalismo religioso como exclusivo dos palestinianos.



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