Provocatório q.b.

Anabela Fino

Luís Montenegro, que há dias provocou enorme sururu com as suas polémicas declarações sobre os jornalistas, recorreu ao Expresso para se explicar.

Com punhos de renda, Montenegro veio reconhecer ter sido “provocatório q.b.” ao acusar os jornalistas da rádio e da televisão de papaguearem questões que lhes serão sopradas através dos auriculares que usam durante o trabalho, mas considera que a reacção foi exagerada e descontextualizada.

Afinal, garante Montenegro, ele até manifestou na altura a sua preocupação “com a cada vez maior precariedade laboral dos jornalistas, que dificilmente não é prejudicial aos direitos de informar e ser informado”, e reiterou a convicção de que o “regime precisa tanto de bons políticos como de bons jornalistas, porque ambos são essenciais à democracia”.

Nada contra, mas como diria o outro, disso não temos. É que Montenegro, provocador q.b., esqueceu-se de dizer que o plano do Governo para os media, não por acaso apresentado numa conferência promovida pelos e com os responsáveis privados do sector privado, é uma sentença de morte do sector público de comunicação social.

A grande provocação que está em cima da mesa é o despedimento de 250 trabalhadores da RTP, como de costume disfarçado do que se convencionou chamar “rescisões amigáveis”, e o fim da publicidade na estação pública a partir de 2027, sem haver um plano de compensações para a perda real de receitas. O impacto desta medida, avança a Lusa, será a redução de receita anual nos próximos três anos de aproximadamente 6,6 milhões de euros.

Provocador q.b., o primeiro-ministro omitiu que o Estado deve 14 milhões de euros à RTP e que a empresa, devido ao esvaziamento tecnológico, há muito é forçada a alugar meios técnicos aos operadores privados.

Provocador q.b., Montenegro não disse como é que a redução dos trabalhadores e de meios da RTP se coaduna com as boas práticas do jornalismo, que exigem tempo e pesquisa, nem tão pouco por que é que o Governo ignorou a Associação Portuguesa de Anunciantes, que representa mais de 95 anunciantes e 80% do investimento publicitário em Portugal. A APAN, que exige ser ouvida, é contra o fim da publicidade na RTP, por considerar que esta medida pode dar origem a uma “pressão inflacionária” nos espaços publicitários em horário nobre.

Mesmo sem aprofundar mais o plano, que diz não ter “motivações ideológicas” e pretender “resolver os problemas estruturais do sector”, percebe-se que a “provocação q.b.” de Montenegro aos jornalistas é apenas a ponta do icebergue da estratégia de crescente concentração de meios para limitar ainda mais o papel dos jornalistas ao de instrumentos do capital. Parafraseando um velho amigo, nos tempos da censura não podíamos escrever o que pensávamos. Agora, com o pensamento único, não podemos pensar o que escrevemos.

 



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