A taça dos “sem-abrigo”

Filipe Diniz

Futebol “caritativo”. Pesquisando os sem-abrigo no mundo (150 milhões, diz o Fórum Económico Mundial) deparamo-nos com uma iniciativa chamada Homeless World Cup (Taça Mundial dos Sem-abrigo). Pretende usar «o futebol para acabar com a existência de sem-abrigo», para «apoiar e inspirar pessoas sem-abrigo a mudar as suas vidas».

Sejam o que for que consiga, é daquelas que sobretudo serve aos que não têm qualquer intenção de ir à raiz do problema: o empobrecimento massivo e acelerado de uma enorme massa de seres humanos. Incluindo em países efectivamente ricos como os EUA, onde em 2024 se contam mais de 650 mil sem-abrigo (+ 12% face ao ano anterior). Por mais futebol que os sem-abrigo joguem, não é certamente daí que resultará «mudança das suas vidas». Mas manterá entretidos uma muito pequena parte deles.

E não é que, por insólita coincidência, o ministro da Economia, Pedro Reis, veio dizer que «quando a indústria do futebol e do desporto em geral está bem, isso alimenta e lubrifica a economia portuguesa». Que o futebol «pode posicionar bem Portugal como destino de turismo ou de investimento».

A acidental associação daquela Taça Mundial dos Sem-abrigo com estas caricatas declarações ilumina. Ilumina mais sobre quem tem responsabilidades de governo. Nem valerá a pena averiguar o “investimento” de que fala, e que dinheiros movimenta essa “indústria”. Muito menos valerá a pena recordar que a esfera do desporto, antes de ser a de uma “indústria”, serve a resposta a um direito constitucionalmente consagrado.

Proporcionar negócios chorudos a alguns e entreter uns quantos outros, para o governo AD é sucesso “económico”. Mas que não esqueçam: se mudar a vida dos sem-abrigo onde quer que estejam não está apenas nas suas mãos, isso não acontece com os povos do mundo. Está nas suas mãos e na sua luta. Mais tarde ou mais cedo, mudará de vez o “estado das coisas actual”.



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