Para lá das eleições
Muito se falou, nas últimas semanas, das eleições na Venezuela. Seguindo um guião previamente elaborado em Washington, houve alegações de fraude e a recusa dos EUA e seus seguidores em reconhecer a vitória de Nicolas Maduro. A generalidade dos órgãos de comunicação social, como é já habitual, replicou a tese…
A estratégia não é nova: já em 2019, o certamente muito democrático reconhecimento de Juan Guaidó como «presidente» da Venezuela – ele, que nem a votos foi… – serviu de base ao saque dos recursos do país. As reservas de ouro depositadas no Reino Unido, cerca de 31 toneladas, foram bloqueadas, assim como os milhares de milhões guardados em bancos internacionais, incluindo no Novobanco. A Citgo, filial nos EUA da petrolífera estatal venezuelana PDVSA (utilizada por exemplo para o pagamento de tratamentos médicos e operações cirúrgicas no exterior) foi roubada pela administração norte-americana.
Só nos últimos sete anos (as contas são do New York Times) recaíram sobre a República Bolivariana da Venezuela mais de 350 sanções, que se somaram a muitas outras, impostas anteriormente. Grande parte delas visa dificultar a venda de petróleo venezuelano, e dessa forma diminuir o financiamento do país. Para tal, empresas e Estados foram ameaçados com sanções caso fizessem negócios com a Venezuela.
Sobre isto, como sobre as mil-e-uma tentativas de desestabilização e golpes promovidas desde o início do século, pouco ou nada se viu e leu na comunicação social – sempre tão «atenta» às dificuldades do povo, aos protestos, à emigração...
«Esqueceu-se», porém, de revisitar as declarações de John Bolton (antigo embaixador dos EUA nas Nações Unidas e conselheiro de Segurança Nacional de Trump), para quem «não havia dúvidas de que as sanções (…) empurrariam muita gente para fora do país» e «destruiriam a economia» venezuelana. Como no Chile, 50 anos antes (em vésperas do golpe fascista, preparando-o), o imperialismo quis e quer pôr a economia venezuelana a «guinchar de dor».
Para além de imoral, tudo isto é também ilegal. Há menos de um ano, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou uma resolução sobre direitos humanos e medidas coercivas unilaterais, as vulgarmente designadas sanções. Nela reafirma-se que o direito ao desenvolvimento é «universal e inalienável» e que cada Estado tem «total soberania sobre a totalidade da sua riqueza, recursos naturais e actividade económica». E reconhece que essas medidas afectam sobretudo «os pobres e as camadas mais desfavorecidas» e ameaçam os direitos à vida, à saúde e assistência médica, à alimentação, à educação, à habitação, a um nível de vida adequado. Também o carácter extraterritorial destas sanções, sublinha, contradiz os «princípios básicos do direito internacional».