Impensável

Anabela Fino

«As re­giões dos Balcãs Oci­den­tais e do Mar Negro são de im­por­tância es­tra­té­gica para a ali­ança. [Pro­me­temos ajudar] a com­bater a in­fluência ma­ligna, in­cluindo de­sin­for­mação, ame­aças hí­bridas e ci­ber­né­ticas, re­pre­sen­tadas por ac­tores es­ta­tais e não es­ta­tais (…)», lê-se na de­cla­ração final da ci­meira da NATO re­a­li­zada há dias nos EUA.

O evento foi pre­ce­dido por uma pa­ra­fer­nália de «no­tí­cias» e es­pe­cu­la­ções ao es­tilo da guerra fria, fruto da pa­ra­noia norte-ame­ri­cana com te­o­rias da cons­pi­ração, re­pli­cadas ace­fa­la­mente pelos media oci­den­tais. Não é (ainda) a lou­cura da «caça às bruxas» de Mc­Carthy, na dé­cada de 40 do sé­culo XX, mas anda perto. Um in­cêndio? Uma pi­chagem? Uma greve? Uma pa­lavra de ordem? O mais certo é serem os russos ao ataque. Ao deitar, es­preitem de­baixo da cama…

O con­clave de Washington, como o outro na Suíça dito de «paz para a Ucrânia» que teve a par­ti­cu­la­ri­dade assaz per­ti­nente de ex­cluir o prin­cipal in­ter­ve­ni­ente, tratou de ne­gó­cios ar­ma­men­tistas. Para a Ucrânia só falta agora mandar armas nu­cle­ares, mas a Ale­manha pro­vi­dencia o de­pó­sito de ar­senal norte-ame­ri­cano, em mais um passo, de resto muito sau­dado, para o de­sastre.

O go­verno por­tu­guês não quis ficar de fora e Mon­te­negro lá anun­ciou o plano dos 2% para a De­fesa, que pro­mete mais di­li­gente do que o 1% para a cul­tura.

E por falar em di­li­gên­cias, pa­rece que Por­tugal, sendo em­bora um mi­nús­culo agente no ne­gócio de armas, anda a ex­portar muito… para Is­rael. Uma in­ves­ti­gação do PÁGINA UM, de Maio, re­vela que entre Ou­tubro do ano pas­sado e Março deste ano, foi ex­por­tado para Is­rael ma­te­rial de guerra clas­si­fi­cado como «bombas, gra­nadas, tor­pedos, minas e ou­tras mu­ni­ções e pro­jéc­teis» no valor total de 1.076.734 euros, mais 56% face aos seis meses an­te­ri­ores.

Do que não se falou, neste re­gresso ao pas­sado, foi da in­fame «Ope­ra­tion Unthin­kable», isso é, «Ope­ração Im­pen­sável», plano en­co­men­dado pelo então pri­meiro-mi­nistro bri­tâ­nico Winston Chur­chill, logo a se­guir ao fim de Se­gunda Guerra Mun­dial, para atacar a União So­vié­tica. Criada por ofi­ciais do Reino Unido, a ope­ração vi­sava, ex­pres­sa­mente, «impor à Rússia a von­tade dos Es­tados Unidos e do Im­pério Bri­tâ­nico», para im­pedir a in­fluência so­vié­tica na Eu­ropa. O ataque seria a 1 de Julho de 1945, le­vado a cabo por tropas ame­ri­canas, bri­tâ­nicas, fran­cesas, po­lacas e alemãs, estas re­cu­pe­radas sem es­crú­pulos das forças nazis.

O con­fronto com o aliado que sa­cri­ficou mais de 25 mi­lhões dos seus fi­lhos para der­rotar o na­zismo não se con­cre­tizou: os mi­li­tares con­si­de­raram-no de­ma­siado pe­ri­goso e sem ga­rantia de su­cesso. A traição, essa, ficou para a his­tória que hoje tanto se pro­cura re­es­crever.

A Rússia de Putin não é a União So­vié­tica, mas o im­pe­ri­a­lismo não mudou. O im­pen­sável está na ordem do dia.

 



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