Rédea curta

Anabela Fino

Ju­lian As­sange está fi­nal­mente em li­ber­dade, de­pois de uma longa e pe­nosa luta de 14 anos, cinco dos quais en­car­ce­rado em Bel­marsh, uma prisão bri­tâ­nica de se­gu­rança má­xima, onde num de­li­be­rado acto de tor­tura as au­to­ri­dades o su­jei­taram ao re­gime de iso­la­mento 23 horas por dia.

O pe­sa­delo vi­vido por As­sange teve como epí­logo um acordo ju­di­cial com o De­par­ta­mento de Jus­tiça dos EUA, que obrigou o jor­na­lista aus­tra­liano a de­clarar-se cul­pado de um crime que não co­meteu: cons­pi­ração para obter do­cu­mentos re­la­ci­o­nados com a de­fesa na­ci­onal ao abrigo da Lei de Es­pi­o­nagem. Este úl­timo acto de hu­mi­lhação por parte de Washington es­teve longe de me­recer o des­taque que as suas im­pli­ca­ções jus­ti­ficam.

Salvo raras e hon­rosas ex­cep­ções, a atenção po­lí­tico-me­diá­tica dada à li­ber­tação de As­sange pôs a tó­nica na pre­tensa vi­tória da li­ber­dade de im­prensa, o que é não só ilu­sório como ma­ni­fes­ta­mente falso.

Vi­tória, se a houve, foi a da so­li­da­ri­e­dade in­ter­na­ci­onal ge­rada em torno do editor do Wi­ki­Leaks, que im­pediu o seu as­sas­si­nato lento às mãos dos obs­curos in­te­resses anglo-sa­xó­nicos.

Já o acordo ju­di­cial que As­sange foi for­çado a as­sinar para sair da prisão é um ataque di­recto à li­ber­dade de im­prensa e à li­ber­dade de ex­pressão. A men­sagem que fica da pa­ródia de jus­tiça le­vada à cena num tri­bunal da Ilhas Ma­ri­anas – um pro­te­to­rado dos EUA! – é que qual­quer jor­na­lista, em qual­quer parte do mundo, em qual­quer mo­mento, se di­vulgar in­for­mação que in­co­mode os po­deres ins­ti­tuídos no im­pério oci­dental corre o risco de ser per­se­guido, vi­li­pen­diado, de­sa­cre­di­tado, mar­gi­na­li­zado, preso, even­tu­al­mente morto, como a CIA chegou a pon­derar em re­lação a As­sange, que se atreveu a di­vulgar a in­for­mação re­ce­bida de Chelsea Man­ning, mi­litar dos EUA (en­tre­tanto presa, con­de­nada e in­dul­tada). Não se tratou de uma in­for­mação qual­quer, mas da prova de crimes de guerra co­me­tidos pelos EUA no Iraque, Afe­ga­nistão e Guan­tá­namo: em causa estão re­la­tó­rios se­cretos sobre mi­lhares de mortes de civis não re­por­tadas, vi­o­la­ções, tor­turas, as­sas­si­natos, pri­sões ar­bi­trá­rias, em total vi­o­lação dos mais ele­men­tares di­reitos hu­manos. Crimes que per­ma­necem sem cas­tigo, re­corde-se.

Im­porta ainda ter pre­sente que obrigar As­sange a con­fessar um crime que não co­meteu para poder sair em li­ber­dade abre um pre­ce­dente grave, pois pela pri­meira vez em mais de 100 anos de exis­tência do Es­pi­o­nage Act há uma con­de­nação por algo que é a pró­pria es­sência do jor­na­lismo: re­colha e di­vul­gação de in­for­mação de in­te­resse pú­blico.

Com o caso As­sange, os EUA mos­traram até onde pode ir o longo braço da cen­sura en­ca­po­tada com que se es­creve a li­ber­dade de im­prensa. Na Aus­trália, onde mal teve tempo de des­frutar o re­gresso a casa, o jor­na­lista já está a ser alvo dos sa­bujos de ser­viço, para que o mau exemplo não se re­pita. Li­ber­dade de im­prensa, pois sim, mas com rédea curta.

 



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