Há sempre um reverso

Jorge Cordeiro

«O que foi torna a ser. O que é perde existência» (Goethe). Perante o alarido de indignação que, com aquela sensibilidade de donzelas ofendidas, se ouviu a partir de quem controla e determina a desinformação em Portugal sobre as decisões do poder russo de bloqueio a um conjunto de órgãos de comunicação social da União Europeia, incluindo quatro nacionais, é oportuno revisitar as palavras com que aquele autor alemão encerra o prólogo de «Fausto». E sobretudo levar alguns a reflectir de que em regra há sempre um reverso para tudo, uma inevitável possibilidade de esperar de terceiros o que por impulsos desmedidos ou arrogância dos dominantes se decide contra esses.

A irresponsável ligeireza e o inebriante entusiasmo que há dois anos se viu aquando do bloqueio compulsivo a quatro órgãos de comunicação social desse país contrasta com o coro abespinhado que a retaliação motivou. Talvez seja de reter que censura é censura, em regra condenável, que inaugurada por uns é quase certo que regressará devolvida. A liberdade de imprensa e o acesso à informação enquanto factores de formação e conhecimento para decisões não condicionadas devem ser valores democráticos a defender e preservar. O caminho da censura, da proibição de fontes informação, da ostracização de expressões culturais e outros é, seja quem o promova, seja quando assumidos a que pretexto for, um caminho que só pode acentuar essas práticas e restrições.

O que se impõe é uma exigência crescente em nome de valores democráticos de um acesso a uma informação plural, isenta e liberta do que a condiciona. Seja a partir de poderes políticos como na Rússia seja a partir do poder económico de quem a detém e comanda como acontece em Portugal. Pelo que soará a falso este coro de loas sobre as «virtudes» de isenção e independência da comunicação social nacional, enquanto argumento para rejeitar retaliações alheias, quando se conhece os padrões de parcialidade, deturpação e censura informativa e opinativa que moldam, com honrosas excepções, esse poderoso meio de condicionamento político e ideológico ao serviço dos grupos económicos e da sua agenda.

 



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