Soberanos ma non troppo

Anabela Fino

«Não vou à reu­nião para me sentar e ouvi-los a dar ser­mões (…) Eles dão-nos três mi­nutos para falar e logo de­pois pas­samos a ouvir um sermão sobre o quão bons eles são.» Foi assim que o então pri­meiro-mi­nistro das Ilhas Sa­lomão, Ma­nasseh So­ga­vare, ex­plicou à im­prensa por que razão não es­teve na ci­meira re­a­li­zada a 25 e 26 de Se­tembro úl­timo, em Washington, que reuniu Joe Biden e cerca de 20 lí­deres do Pa­cí­fico. A es­tra­tégia dos EUA para o Pa­cí­fico fora apre­sen­tada em 2022, em ci­meira idên­tica, tendo como ce­noura a pro­messa de Washington de dis­po­ni­bi­lizar cerca de 800 mi­lhões de dó­lares (cerca de 760 mi­lhões de euros) para ajudar as na­ções in­su­lares du­rante os pró­ximos anos. Uma gota de água no oceano, já que do pa­cote de 95 mil mi­lhões de ajuda a ali­ados dos Es­tados Unidos en­tre­tanto apro­vado, 61 mil mi­lhões de dó­lares são para a Ucrânia e 26 mil mi­lhões para Is­rael. Para a guerra, por­tanto. O que não im­pede os EUA de pôr em causa a apro­xi­mação das Sa­lomão à China e o pacto de se­gu­rança bi­la­teral as­si­nado em 2022 entre os dois países.

Como po­tência im­pe­rial que se ar­roga ser, os EUA con­si­deram le­gí­timo in­tervir na re­gião através do pacto mi­litar AUKUS, as­si­nado com a Aus­trália e Reino Unido em 2021, que in­clui armas nu­cle­ares, ou do Quad, Diá­logo de Se­gu­rança Qua­dri­la­teral, par­ceria com a Aus­trália, Japão e Índia, mas ro­tulam de pre­o­cu­pante e ame­a­ça­dora qual­quer ini­ci­a­tiva so­be­rana em que não in­tervêm.

«Os EUA pre­cisam de res­peitar os lí­deres do Pa­cí­fico e os lí­deres de todo o mundo. Eles devem mudar a sua es­tra­tégia», disse ainda So­ga­vare, que con­si­derou «in­sul­tu­osas» as pre­o­cu­pa­ções aus­tra­li­anas e ne­o­ze­lan­desas de que o pacto com a China possa causar ins­ta­bi­li­dade na se­gu­rança da re­gião. Uma po­sição par­ti­lhada pelo novo pri­meiro-mi­nistro, Je­re­miah Ma­nele, ex-mi­nistro das Re­la­ções Ex­te­ri­ores, eleito este mês e por acaso já a braços com pres­sões ex­ternas e uma «co­lo­rida» agi­tação in­terna.

Mas nem só dos EUA e seus mais pró­ximos acó­litos vive a ten­tação ne­o­co­lo­nial que grassa pelo mundo.

Em Por­tugal também há quem ache que os acordos de países de CPLP com a Rússia são mo­tivo de «pre­o­cu­pação», e que o Go­verno deve chamar à pedra, no caso ver­tente, os di­ri­gentes de São Tomé e Prín­cipe e da Guiné-Bissau, que ou­saram de­cidir de motu pró­prio. Na im­prensa, houve quem ga­ran­tisse que tudo isto põe em xeque a se­gu­rança mun­dial. O des­taque vai para a Ini­ci­a­tiva Li­beral, o mi­nistro Rangel e o pre­si­dente Mar­celo. O pri­meiro quer es­cla­re­ci­mentos, o se­gundo diz que a no­tícia causou «es­tra­nheza» e «apre­ensão», e o ter­ceiro «quer co­nhecer» os acordos mi­li­tares de São Tomé e Prín­cipe e da Guiné Bissau com Rússia. Tudo preto no branco, tim-tim por tim-tim, que isto não é Washington mas é Lisboa, o que é quase a mesma coisa. É só de­mo­cracia.

 



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