Nós, a INA

Manuel Gouveia

Há dois filmes de ficção científica (FC) que marcam a década de 80 e que representam duas visões – ainda actuais – sobre o perigoso relacionamento da Inteligência Artificial (IA) e a da guerra.

No primeiro, um supercomputador está permanentemente a computar cenários de uma terceira guerra mundial para encontrar uma forma de a ganhar. Quando, por acidente, o supercomputador está prestes a despoletar verdadeiramente a dita guerra, o jovem herói do filme coloca-o a jogar ao galo contra si próprio e o supercomputador descobre que há jogos que não se podem ganhar e pára o processo de lançamento de mísseis. Esta é a visão de que uma IA verdadeiramente inteligente não é perigosa, pois compreenderá a futilidade da guerra.

O segundo filme, que viria a transformar-se numa saga que duraria 20 anos, é o Exterminador Implacável. Nele, dum mundo onde as máquinas estão em guerra com os humanos, vem um exterminador para matar a mãe do futuro líder de uma revolta humana (perdoemos às máquinas e ao escritor a ignorância do facto de que os líderes não fazem as revoluções, são feitos por elas). Aqui a IA aparece como potencialmente perigosa na medida em que gera uma inteligência que quer tomar o poder, e substituir a raça humana.

Estas duas visões definem os dois cenários-limite do crescente uso da IA na guerra: o fim de todas as guerras; o fim da raça humana. Quarenta anos depois, o neoliberalismo matou – no «Ocidente» – a visão romântica e ingénua do futuro que perpassa a FC desses anos 80. O futuro é agora e quase sempre um buraco negro, pós-nuclear, pós-apocalíptico.

Ao mesmo tempo, no mundo real, o desenvolvimento tecnológico, e principalmente o aumento exponencial da capacidade de computação, armazenamento e tratamento da informação, está a começar a gerar as armas que decidem sozinhas como e quando matam um ser humano. Vemo-las em acção na Palestina. Vemos a NATO e a Rússia anunciarem o seu uso e teste. E vemos pouca – mesmo quase nenhuma – indignação.

Talvez seja tempo de nós – a INA, a Inteligência Não Artificial – metermos pés ao caminho e travarmos a escalada belicista.

 

 



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