Hipocrisias e obstinação militarista

Ângelo Alves

EUA dão carta branca a Is­rael

O mi­li­ta­rismo e a guerra é sempre sus­ten­tado pela men­tira e ma­ni­pu­lação e pela hi­po­crisia mais suja. Vem a re­flexão a pro­pó­sito de dois acon­te­ci­mentos re­centes. O pri­meiro foi a apro­vação pelo Con­selho de Se­gu­rança da ONU (CS) da Re­so­lução 2728 sobre a si­tu­ação na Pa­les­tina (Faixa de Gaza), que «exige um cessar-fogo ime­diato du­rante o mês do Ra­madão, res­pei­tado por todas as partes, que con­duza a um cessar- fogo sus­ten­tado e per­ma­nente» e su­blinha «a ne­ces­si­dade ur­gente de ex­pandir o fluxo da as­sis­tência hu­ma­ni­tária e de re­forçar a pro­tecção dos civis em toda a faixa de Gaza».

A re­so­lução, apre­sen­tada pelos 10 mem­bros não per­ma­nentes do CS, foi apro­vada por mai­oria. O único país que se abs­teve foram os EUA, exac­ta­mente os mesmos que dois dias antes pro­ta­go­ni­zaram uma suja ma­nobra de ma­ni­pu­lação à es­cala mun­dial ao apre­sentar no CS uma pro­posta de re­so­lução que não exigia um cessar-fogo – apenas o con­si­de­rava como um «im­pe­ra­tivo» e o con­di­ci­o­nava à li­ber­tação de pri­si­o­neiros de um dos lados do con­flito –, apre­sen­tando-a na co­mu­ni­cação so­cial mun­dial como uma re­so­lução que «re­cla­mava» o cessar fogo. A jo­gada tinha dois ob­jec­tivos: ou aprovar uma re­so­lução que im­pedia qual­quer outra que exi­gisse de facto o cessar-fogo ou, caso con­trário, e como foi ten­tado, apre­sentar o veto da China e da Rússia como uma re­jeição do dito e falso «cessar-fogo».

A ma­nobra fa­lhou. Face à re­cusa da ma­ni­pu­lação e pe­rante um iso­la­mento quase ab­so­luto no seu apoio a Is­rael, os EUA viram-se obri­gados a aceitar a der­rota e a abster-se numa nova re­so­lução que exige cla­ra­mente um cessar-fogo sem con­di­ções pré­vias. Con­tudo, bas­taram poucas horas para se per­ceber que nem Is­rael ia res­peitar a re­so­lução – coisa que é prá­tica comum no Es­tado si­o­nista –, nem a abs­tenção dos EUA ia al­terar a sua po­lí­tica de apoio eco­nó­mico, mi­litar e po­lí­tico a Is­rael. Foi John Kirby, Con­se­lheiro de Se­gu­rança da Casa Branca, que afirmou na se­gunda-feira que a abs­tenção dos EUA «não sig­ni­fica uma mu­dança de rumo», que «a re­so­lução não é vin­cu­la­tiva» e que, por­tanto, «não terá qual­quer efeito em Is­rael e na sua ca­pa­ci­dade de con­ti­nuar a ir atrás do Hamas». Ou seja, é a pró­pria Ad­mi­nis­tração Biden que de­nuncia a sua hi­po­crisia, con­firma os EUA como parte da agressão e mais uma vez dá carta branca a Is­rael para pros­se­guir a ma­tança.

Mas não são os únicos. Nos mesmos dias em que na ONU se dis­cu­tiam os termos da re­fe­rida re­so­lução, o Con­selho da União Eu­ro­peia reunia-se para aprovar mais mi­lhões para ins­tigar e ali­mentar a guerra na Ucrânia e um novo sis­tema de san­ções que irá pro­vocar ainda mais ten­sões a Leste e por todo mundo, para con­firmar o novo dogma eu­ropeu da «eco­nomia de guerra», sus­tentar «a so­be­rania eu­ro­peia» e ca­na­lizar imensos re­cursos para o de­sen­vol­vi­mento da in­dús­tria da guerra que agora subs­titui a «dupla tran­sição verde e di­gital». Pelo ca­minho de­di­caram parcos pa­rá­grafos para re­gur­gitar o seu hi­pó­crita dis­curso sobre a Pa­les­tina, re­pe­tindo, pa­lavra por pa­lavra, o dis­curso ofi­cial de Ne­tanyahu e do seu go­verno, e ace­nando pela ené­sima vez com a já der­ro­tada e de­nun­ciada fór­mula da «pausa hu­ma­ni­tária», si­nó­nimo de: luz verde para a ma­tança.

Se já não hou­vesse exem­plos bas­tantes, aqui ficam mais dois que atestam a hi­po­crisia, de­su­ma­ni­dade e obs­ti­nação mi­li­ta­rista que cir­cula pelos cor­re­dores e Washington e Bru­xelas.




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