Os investidores

Anabela Fino

«O sistema socioeconómico que o actual Governo de direita pretende restaurar será no essencial (se este processo se concluir) idêntico ao existente no tempo do fascismo.

Digo o sistema socioeconómico. Não digo o regime político. Porque, nas condições actualmente existentes, o capitalismo monopolista, a ser concretizado, o será não no quadro de uma ditadura fascista como foi antes do 25 de Abril, mas no quadro de uma democracia parlamentar cujos mecanismos estatais e jurídicos acabarão por ser igualmente controlados no fundamental por grandes grupos económicos dominantes associados a transnacionais.»

Três décadas depois de Álvaro Cunhal fazer esta advertência, ao intervir na Assembleia do Sector Público da Organização Regional de Lisboa do PCP, em Abril de 1992, a sua pertinência é maior do que nunca.

Na Assembleia da República saída das eleições de 10 de Março, que anteontem entrou em funções, 50 lugares foram ocupados pelos deputados do partido que se proclama «do povo» e «contra as elites», mas que oleia a sua máquina de propaganda com as generosas contribuições das famílias Mello e Champalimaud, do dono do Grupo Barraqueiro, detentor de um quarto do capital da TAP; do dono dos Transportes Paulo Duarte (potentado nacional do transporte de mercadorias); do dono da Sodarca – Sociedade Distribuidora de Armas de Caça e da Helibravo; do dono da Sugal, só para citar alguns exemplos vindos recentemente a público.

Menos exuberante mas igualmente distinguido pelos favores do capital, a IL, que teve a honra de contar na apresentação do seu programa eleitoral com a presidente de um dos maiores grupos de saúde privada, a ex-ministra de Cavaco Silva que se notabilizou pela máxima «quem quer saúde paga-a», e de quem se diz ter recebido alvíssaras do presidente da EDP, vai gerindo expectativas sobre eventuais apoios ao governo que Montenegro apresentará, uma forma de fazer render o seu peixe.

Mais sossegado, como parceiro de coligação, o CDS afagou o ego aparafusando na parede a placa que atesta o seu regresso ao Parlamento, enquanto o PS testava se o «não é não» de Montenegro não será antes «não é só às vezes», a propósito da ocupação de cadeiras à mesa da Assembleia, desta feita com um bombista de 1975 na fila. O imbróglio em que se transformou a votação para a presidência da AR, se mostrou o que nos espera, teve a vantagem, para o PS de desviar as atenções do «sucesso» das contas públicas, e poupou a Nuno Santos ter de explicar como é que o excedente orçamental «histórico de 1,2%» de 2023 se compagina com o desinvestimento nos serviços sociais do Estado, os baixos salários, a precariedade e o aumento das desigualdades. Os investidores na «democracia parlamentar», cada vez mais nas mãos dos «grandes grupos económicos dominantes associados a transnacionais», aplaudem.




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