Mediatismos, caminhos e resultados
O imediatismo que reina no espaço mediático e que impera nas leituras que lá são feitas dos resultados eleitorais levam a que se esqueça de onde viemos – e, assim, contribuir para baralhar ainda mais. Lembremos, então, alguns episódios mediáticos que, não explicando tudo o que foi reflectido no resultado de 10 de Março, ajudam a entender tendências que contribuíram para a votação da CDU e de outras forças políticas.
Começámos a campanha eleitoral com duas ideias omnipresentes na boca de jornalistas e comentadores a partir das sondagens, ainda que nenhuma delas confirmasse verdadeiramente tais vaticínios: a subida vertiginosa do Chega (que chegou a ser apontado como disputando o lugar de força mais votada) e o desaparecimento do PCP e da CDU. Se a primeira parcialmente se confirmou, a segunda foi integralmente desmentida pela realidade – apesar dos esforços empenhados em tornar realidade tais desejos.
Mas, para chegarmos aqui, houve todo um caminho, de promoção de protagonistas, valores e concepções retrógrados, reacionários ou mesmo fascizantes, a par de uma poderosa operação que visou o tal objectivo de «varrer os comunistas» (uma expressão que já saltou da propaganda eleitoral para as páginas de jornais).
A par da presença constante, a propósito e despropósito, do Chega e de André Ventura na comunicação social (desde que virou coqueluche mediática por assumir um discurso xenófobo enquanto candidato à Câmara Municipal de Loures apadrinhado pelo PSD de Passos Coelho), fomos assistindo a outros episódios de branqueamento do seu discurso, procurando elevá-lo a arauto da luta contra a corrupção e contra o sistema. Não sendo possível mensurar o efeito mais ou menos consciente que resultou da falsa caracterização do Chega como anti-sistema pela máquina mediática no seu actual eleitorado, certamente terá sido significativa.
Foi por esta altura que começou a série de reportagens que procuraram pôr em causa a seriedade do PCP, dos seus eleitos e dirigentes, incluindo o Secretário-Geral Jerónimo de Sousa, na TVI. À distância pode-se tentar relativizar o efeito, mas foram semanas quase ininterruptas de mentira grosseira tentando puxar o PCP para o ambiente de lamaçal que alguém quis alimentar ao longo dos últimos anos. No ano seguinte, foi o ataque a propósito da realização da Festa do Avante! e do Congresso, em contexto COVID. Ainda esperamos pelos surtos e pela explosão da mortalidade que uma destacada escriba do Público disse serem certos e da inteira responsabilidade do PCP. Nem surto nem pedido de desculpas pela irracionalidade vertida nas páginas de um jornal tido como referência.
A memória recente ainda tem espaço para registar as tentativas de vários órgãos (Expresso e Visão na dianteira) de semear intriga no seio do Partido, cujo objectivo não seria apenas surtir efeitos na organização, mas pôr em causa a imagem e o reconhecimento externo. E, com tudo isto, mal sobra espaço para as questões internacionais, da Venezuela à acusação de abrigar espiões russos em autarquias CDU, de tudo valeu. Serve esta lista, não para mascarar resultados eleitorais, mas para não deixar esquecer o caminho percorrido até eles.