Novo ciclo: por Abril ou contra Abril?…

Manuel Rodrigues

Entendeu o senhor Presidente da República dirigir aos portugueses uma mensagem na véspera das eleições legislativas de 10 de Março.

Poderia tê-lo feito para apelar à participação no acto eleitoral, lembrando que o direito ao sufrágio é uma conquista de Abril – que a Constituição consagraria como um dos mais importantes direitos e deveres cívicos – que muito custou a conquistar; poderia lembrar que hoje, quando comemoramos os 50 anos do 25 de Abril, mais significativo se torna exercer esse direito, como a melhor forma, aliás, de o defender.

Poderia fazê-lo, e se o fizesse estaria a exercer a sua magistratura de influência, estaria a honrar o seu juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição da República.

Mas o senhor Presidente da República aproveitou a mensagem para outros recados: desde logo, para desresponsabilizar a política de direita – desenvolvida exactamente contra as conquistas e valores de Abril – pela situação económica e social que o País vive; pelos graves problemas que os trabalhadores, o povo e o País enfrentam.

Na mensagem do senhor Presidente da República a grande culpada de tudo é a guerra – o que não significa que a guerra não tenha um peso específico nos problemas, que tem. Mas não há na mensagem uma única palavra para condenar o aproveitamento da guerra e das sanções pelos grupos económicos e as multinacionais como pretexto para promover a especulação dos preços dos bens e serviços essenciais e aprofundar a exploração, com o beneplácito apoio (ou cumplicidade) do Governo PS, em todas as questões essenciais acompanhado por PSD, CDS, Chega e IL.

Sua excelência passa ao lado disso, embora, em seu entender, tenha sido a guerra a impedir a recuperação económica e a causar os problemas na saúde, na habitação, na educação e noutras áreas sociais. E até o desemprego entre os jovens ou a garantia futura das pensões e das reformas para os menos jovens a ela se devem.

Mas também não há uma palavra para denunciar a compressão nos salários e nas pensões, em contraste com a chocante expansão dos lucros dos grupos económicos. Nem uma palavra para assinalar as gritantes injustiças e desigualdades sociais que, desta forma, se vão gerando. Nem uma única palavra para criticar a falta de investimento nos serviços públicos que levou à sua degradação (em particular, o SNS). Nem uma única palavra para referir o peso da corrupção que é indissociável das privatizações e da promiscuidade entre o poder político e o o poder económico com a preocupante subordinação do poder político ao poder económico. Nem uma palavra sobre a destruição do aparelho produtivo; a falta de emprego e a precariedade que atinge em particular os mais jovens; sobre as limitações à participação juvenil (nomeadamente na vida das escolas); a limitação dos tempos e dos espaços para a participação cívica e, até mesmo no movimento associativo. Nem uma palavra sobre o grave problema demográfico que nos atinge.

Conclui o senhor Presidente da República: «Mesmo para aqueles que, nos últimos meses, não prestaram atenção ao que se passa lá fora, até porque já vivem suficientemente apreensivos com o seu dia a dia cá dentro, é, nestes instantes, que mais importa votar»;

E porquê? Porque para além de todas as outras razões de contexto externo (nomeadamente a pandemia e a guerra), segundo Marcelo Rebelo de Sousa, acresce uma outra, de importância estratégica: no ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril e os 49 do primeiro voto directo de todas as mulheres e homens de mais de 18 anos em séculos de vida de Portugal, «fecha-se um ciclo de meio século da nossa História, abre-se outro, com novos desafios, novas exigências, novas ambições, mas sempre com os mesmos valores: Democracia, Liberdade e Igualdade.»

Deste modo, com a realização destas eleições abrir-se-ia um novo ciclo dando por concluído o processo contra-revolucionário com a liquidação das conquistas e valores de Abril. Virar-se-ia, assim, a página de meio século da nossa história, que é o mesmo que dizer, a página da Revolução de Abril, que embora sendo uma revolução inacabada, deixou profundas marcas em Portugal: com conquistas, avanços, profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais (muitas das quais – as principais – foram destruídas e outras, apesar de enfraquecidas e ameaçadas, continuam presentes na vida nacional), que permanecem como referências e valores essenciais no presente e no futuro democrático e independente de Portugal.

Estão bem enganados os que pensam que, com as eleições, se desferiu um golpe profundo, fechando-se, assim, o processo contra-revolucionário e completando-se a obra destruidora de Abril. Que se abriu um ciclo novo. Novo ciclo, que faria deste tempo o tempo da total liberdade de acção para o imperialismo, o tempo para a consolidação do domínio do grande capital sobre a sociedade portuguesa, o tempo dos projectos reaccionários que lhe estão associados. No fundo, um ciclo oposto à «Democracia, Liberdade e Igualdade» como valores de Abril.

Mas, afinal, esse não é um novo ciclo, nem um novo rumo. É, sim, a continuação e aprofundamento do rumo da política de direita, que já dura há mais de quatro décadas.

Perante estas eleições e os seus resultados, o que se coloca aos trabalhadores e ao povo, com acrescida actualidade, como alternativa à política de direita – de que, independentemente das suas diferenças, são responsáveis PS, PSD, CDS, Chega e IL –, é o projecto e os valores de Abril, é afirmar a necessidade e importância do ideal e do projecto comunista, de liberdade, democracia e socialismo, do papel e acção do Partido Comunista Português.

Novo ciclo, com a força dos trabalhadores e do povo, usando todos os meios que a Constituição da República Portuguesa consagra, que tem a dimensão capaz de enfrentar os perigos, derrotar projectos reaccionários, romper com a política de direita e de abdicação nacional, com o domínio do grande capital e de abrir caminho a uma alternativa patriótica e de esquerda com os valores de Abril no futuro de Portugal.

Novo ciclo, para um verdadeiro novo rumo. Esta é que é a questão fundamental que se coloca aos trabalhadores e ao povo. E que contará sempre com a acção e a iniciativa do PCP.




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