Sozinhos ardemos, unidos vencemos
«O meu nome é Aaron Bushnell. Sou um soldado da Força Aérea no activo e não serei mais cúmplice do genocídio.» Começa assim o vídeo, transmitido em directo na Internet este domingo. «Estou prestes levar a cabo uma forma extrema de protesto, mas em comparação com o que o povo da Palestina está a sofrer às mãos daqueles que a colonizam, não é de todo extrema», diz o soldado estado-unidense, fardado, sozinho, diante da embaixada de Israel, em Washington DC. «Isto é o que a nossa classe dominante decidiu que é normal. Libertem a Palestina.» Acto contínuo, rega-se com gasolina e imola-se.
As imagens, horrendas, mostram o jovem em chamas, de pé, enquanto um segurança da embaixada lhe aponta uma pistola. «Não precisamos de pistolas, precisamos de extintores!», grita um polícia. Aaron morreria pouco depois.
Nos EUA, todos os dias suicidam-se 17 veteranos das forças armadas. Há apenas três meses, outro soldado imolou-se, pelas mesmas razões, em frente ao Consulado de Israel em Atlanta, no Estado da Geórgia. Aaron Bushnell não mentiu: a barbárie é o que a classe dominante decidiu que é normal.
Quando vivi nos EUA, conheci em Boston, num pequeníssimo desfile do Primeiro de Maio (para erradicar o Dia Internacional do Trabalhador, os EUA inventaram o Dia do Trabalho, em Setembro) um jovem soldado que tinha feito duas missões no Iraque. Chamava-se Dan. Ficámos amigos e, daí para a frente, passámos a encontrarmo-nos, anualmente, no Primeiro de Maio. O Dan tinha chegado à luta pelo comunismo através da experiência da guerra imperialista. Politizou-se pela barbárie – mas a barbárie mutilou-o. Todos os anos, na relva do Boston Common, eu descrevia-lhe a Festa do Avante! e ele prometia-me que para o ano seguinte é que ia mesmo. Até que houve um ano em que já não o encontrei na subida da Rua Beacon, nem a cantar o «Solidariedade para Sempre», nem a encher palavras de ordem «O que é que queremos? Paz!», nem a segurar na enorme bandeira vermelha internacional da nossa classe. Todos os anos, milhões de jovens estado-unidenses são mastigados e cuspidos pela máquina de fazer a guerra. Alguns ficam sem pernas, outros sem alegria, outros sem consciência. O meu amigo Dan ficou sem vida.
Mas Aaron Bushnell disse a verdade: os EUA são cúmplices do genocídio israelita. São eles que pagam as bombas que já mataram cerca de 30 mil civis, na sua maioria crianças. São eles que dão cobertura diplomática aos assassinos e vetam todas as resoluções da ONU para um cessar-fogo. São eles que cortam o financiamento à UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinianos, enquanto metade da população de Gaza morre à fome, de sede e de doenças, porque Israel não permite a entrada de ajuda humanitária urgente.
Se isto é o que a classe dominante decidiu que é normal, é urgente desobedecer: a quem está desesperado, estender uma mão solidária; a quem se sente insignificante, oferecer a força do colectivo; a quem está justamente enraivecido, lembrar que sozinhos ardemos e unidos vencemos.