Um biombo chamado «os políticos»

Manuel Gouveia

São in­con­tá­veis as vezes que a co­mu­ni­cação so­cial, e não só, uti­lizam a ex­pressão «os po­lí­ticos» para tentar es­conder a re­a­li­dade de es­tarem a falar de al­guns po­lí­ticos, nor­mal­mente dos po­lí­ticos que apoiam, e por isso não os que­rerem des­tacar ne­ga­ti­va­mente.

Re­cen­te­mente, sobre a apre­sen­tação de um me­ri­tório es­tudo sobre fis­ca­li­dade de Luís Mer­gu­lhão, o autor, ques­ti­o­nado, res­pondeu que o ar­gu­mento uti­li­zado por «vá­rios par­tidos» de que os im­postos em Por­tugal são os mais altos na Eu­ropa é uma «ideia ali­ci­ante, mas falsa». O tí­tulo da no­tícia onde esta ci­tação se en­contra afirma «Es­tudo con­traria po­lí­ticos. Carga fiscal em Por­tugal é in­fe­rior à média da UE». É im­por­tante que os por­tu­gueses, haja ex­cep­ções, sejam in­for­mados com ver­dade, e é ver­dade que a carga fiscal média na União Eu­ro­peia é maior que em Por­tugal. Mas também é ver­dade que não são «os po­lí­ticos», nem se­quer o mais hi­gié­nico «vá­rios par­tidos», que mentem ao povo por­tu­guês. São, nesta questão con­creta, o PSD, o CH, a IL.

Num outro re­gisto, mas de si­milar con­torno, outro órgão de co­mu­ni­cação so­cial, sobre o mesmo es­tudo, des­taca que «o pre­si­dente da di­recção da Causa Pú­blica [Paulo Pe­droso, ex-mi­nistro do PS], se re­veja na aná­lise e acre­dite que a “visão gra­du­a­lista” pre­co­ni­zada por Mer­gu­lhão tem con­di­ções para «ser par­ti­lhada de um modo o mais amplo pos­sível» pelas es­querdas em Por­tugal, por ser uma «causa comum pro­gres­sista».

Com este «as es­querdas» a ser um bi­ombo si­milar. Se não restam dú­vidas de que uma visão de es­querda sobre as ques­tões fis­cais tem que as­sentar na sua pro­gres­si­vi­dade, aliás pre­vista na Cons­ti­tuição, não é menos ver­dade que me­didas pre­co­ni­zadas pelo re­fe­rido es­tudo, no­me­a­da­mente o «en­glo­ba­mento obri­ga­tório» de todos os ren­di­mentos em sede de IRS, foram sempre pro­postas pelo PCP nos úl­timos anos, até numa versão ma­ti­zada, apli­cada apenas ao úl­timo es­calão do IRS, e foram sempre chum­badas pelo voto de PS, PSD, IL e CH. Com o PS a fazer causa comum com as di­reitas.





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