Nem sonham
«O povo judeu tem direito exclusivo e inquestionável a todas as áreas da Terra de Israel. O governo promoverá e desenvolverá colónias em todas as partes da Terra de Israel – na Galileia, Negev, Golã, Judeia e Samaria.» As palavras de Netanyahu, proferidas a 28 de Dezembro de 2022, não resultam de um ataque do Hamas nem de qualquer epifania; reproduzem o que a Lei Básica de Israel consagra desde 2018: «a terra de Israel é a pátria histórica do povo judeu, na qual o Estado de Israel foi estabelecido.»
As ‘democracias ocidentais’ não estremeceram com a manobra ‘legal’ que apenas reconhece aos judeus o direito à terra entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, rejeitando a existência de um território multinacional ou multiétnico. Também não reagiram às palavras do ministro da Defesa israelita quando disse, referindo-se aos palestinianos, «estamos a lutar contra animais e agiremos em conformidade», o que se traduziu em deixar milhões de pessoas «sem eletricidade, sem comida, sem água, sem gás». Netanyahu reforçou a mensagem: «vamos mudar o Médio Oriente.»
As tréguas que permitiram a troca de prisioneiros e a entrada de alguma ajuda humanitária em Gaza, sendo importantes para aliviar a dor dos condenados à morte, não alteram o essencial. Israel, Estado teocrático, supremacista, que há muito pratica o apartheid em relação aos palestinianos mas também face aos judeus não brancos, não quer ‘apenas’ destruir o Hamas. Quer liquidar o maior número possível de palestinianos e confinar os que sobreviverem em ‘reservas’ no Egipto, Jordânia e Líbano.
Os discursos sobre o «direito de defesa» de Israel só servem para escamotear o facto ineludível de que os EUA e a UE, tão ágeis em sanções, boicotes, condenações e intervenções armadas, inclusive à revelia da ONU, estão dispostos a permitir o genocídio do povo palestiniano, enquanto discursam sobre democracia e direitos humanos.
O terceiro Memorando de Entendimento entre os EUA e Israel, assinado em 2016 para vigorar de 2019 a 2028, prevê o fornecimento a Telavive de 38 mil milhões de dólares em ajuda militar. Uma ajuda incondicional. Pouco importa que o governo seja de extrema-direita, que jornalistas sejam assassinados (como a norte-americana Shireen Abu Akleh), que as prisões estejam cheias de mulheres e crianças palestinianas, que as resoluções da ONU sobre a Palestina sejam violadas há décadas. Pouco importa quem as armas matam. Na Casa Branca há sempre uma lista de «terroristas» pronta a servir.
O que eles não sabem, nem sonham, é que, como diz o poeta Mahmud Darwish, no seu poema Crónicas da Dor, «Na corda dos milagres / Eu sou o assassinado, e o ressucitado na noite do crime /As minhas raízes / Afundam-se na terra.»