O senhor Governador

João Frazão

Não me ocuparei dos convites ou desconvites a Mário Centeno para substituir António Costa na gestão dos negócios da política de direita, nem discutirei a legitimidade política de tal possibilidade, porque agora como sempre o que faz falta não é a substituição de protagonistas entre os mesmos do costume, mas a mudança da política que PS, PSD e CDS, agora aplaudidos por CH e IL, há décadas impõem ao povo português.

Quero reflectir sobre a «independência» do Governador do Banco de Portugal, que teria ficado beliscada com este episódio.

Independência para quê? E independência face a quem?

Alguns dos que foram responsáveis por retirar ao Banco de Portugal e, portanto, ao seu Governador, as funções de soberania que ele teve, transformando-o numa mera dependência do Banco Central Europeu, que age às suas ordens e orientações, reclamam agora «independência». Independência face aos que amarram o País ao rumo da estagnação e retrocesso nos direitos? Não parece.

Os que assistiram, impávidos e serenos, à posição do BCE, e portanto do próprio Mário Centeno, nos dez sucessivos aumentos das taxas de juro, indignam-se agora com a falta de isenção. Isenção com que objectivo?

Os que nunca reclamaram a independência do Banco de Portugal face aos nebulosos accionistas e interesses da banca privada, falam agora de «imparcialidade». Imparcialidade para servir os que estão com a corda ao pescoço, como as famílias e as pequenas e médias empresas, ou para garantir os 3 milhões de euros de lucros por dia agora anunciados? Quando os bancos exigem às famílias sacrifícios imensos, extorquindo-lhes comissões e juros pornográficos, para acumular lucros escandalosos, faz falta é parcialidade para os obrigar a pagar esses aumentos dos juros com os seus lucros.

Os que conviveram sempre bem, tal qual como o próprio Mário Centeno, com a promiscuidade e dependência do poder político face ao poder económico, em que avulta a circulação entre Secretarias de Estado, Ministérios e Conselhos de Administração dos principais grupos económicos, com passagem ou não pelo comentário na comunicação social, que unem PS, PSD, CDS, CH e IL, incomodam-se hoje com a sua «falta de equidistância».

Sem recuperar para Portugal e para o povo português a soberania perdida, de que o Banco de Portugal era um dos símbolos, a equidistância será sempre e apenas aquela que o BCE anuncie, com a devida autorização do capital financeiro.




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