Se for preciso
«Lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal que eu espero viver e alcançar. Mas se for preciso, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer.» As palavras finais do lendário discurso de Nelson Mandela em 1964, no julgamento que o condenou a prisão perpétua, ganham por estes dias, com a Palestina a ferro e fogo, uma actualidade acutilante.
Mandela, que durante décadas figurou na «lista de terroristas» que os EUA se arrogam o direito de elaborar, já era uma das mais respeitadas figuras do século XX, já tinha sido o primeiro negro a presidir à África do Sul e já havia recebido o Nobel da Paz, quando Washington retirou o seu nome da ignóbil lista, em 2008. Cinco anos depois, o jornal The New York Times revelava o papel decisivo da CIA na prisão de Mandela em 1962, onde esteve encarcerado 27 anos.
Esta história tem tudo a ver com a Palestina, o território no Médio Oriente onde há mais de 70 anos se trava uma luta de David e Golias pelo direito dos palestinianos a um Estado livre e independente. De maioritários até 1947, os palestinianos foram sendo dizimados e expulsos do seu território desde a proclamação de Israel, que com o apoio militar de países europeus e dos Estados Unidos vence a resistência árabe e consegue, em 1967, quadruplicar o seu território na guerra dos seis dias. Desde então, os massacres sucedem-se, perante a passividade e conivência das potências ocidentais.
A chacina nos campos de refugiados palestinianos de Sabra e Chatila, no Líbano, em 1982, não consta da agenda do TPI ou do cardápio de «crimes contra a humanidade». E no entanto deixou no terreno, após 30 horas ininterruptas de massacre, 2400 mortos (segundo a Cruz Vermelha) e centenas de torturados, estuprados e mutilados – incluindo naturalmente uma maioria de crianças, mulheres e idosos.
O ataque surpresa do Hamas, apresentado por Israel como saído «do nada» e como prova do «radicalismo terrorista» palestiniano, choca pela intensidade, sobretudo tendo em conta ser «normal» a resistência à ocupação israelita com paus e pedras e um sempre desproporcional número de vítimas palestinianas.
O bombardeamento indiscriminado da Faixa de Gaza, onde há 15 anos estão confinados dois milhões de palestinianos, é «justificado» como «resposta legítima» ao ataque do Hamas. Nada disto aconteceria se os palestinianos se deixassem liquidar sem resistência ou se fossem juntar aos 4,5 milhões de compatriotas na diáspora.
Voltando a Nelson Mandela, «a questão que se coloca é se é politicamente correcto continuar a pregar a paz e a não-violência quando se trata de um governo cujas práticas trouxeram tanto sofrimento e miséria».