Dormir na rua?

João Frazão

Para desviar as atenções de um problema que urge resolver, desde logo para que se cumpra o espírito e a letra da Constituição da República Portuguesa e se prossigam os caminhos de Abril, o fim das propinas – que, de complemento para melhorar a qualidade da educação, como foram apresentadas nos idos de 90 do século passado, passaram a ser uma indispensável parte do financiamento corrente das instituições do Ensino Superior –, os defensores da política de direita deitam mão a tudo. Até a dar centralidade a um outro problema que, no imediato, não tem impacto menor, o dos custos do alojamento para quem está deslocado.

Vemos nos jornais que há senhorios a pedir 450 euros por um pequeno quarto, para além de outras pérolas de residências com quartos a 600 e 700 euros, e, como sempre, o governante de serviço, a anunciar mais camas, mais oferta, mais esforço, mais sinergias para resolver o problema.

Entretanto, como o Governo decide não regular o mercado, não fixar preços, não fiscalizar e, em vez de construir residências, anuncia promessas que apenas se concretizarão no dia de São Nunca à Tarde, são cada vez mais os estudantes que acabam por não se matricular, ou que desistem por não ter dinheiro para esses custos exorbitantes, e cada vez mais as famílias que cortam no que é essencial para garantir a educação dos seus filhos ou recorrem às poupanças dos avós para cumprir o sonho de todos.

Enquanto nós nos batemos pela educação gratuita até aos mais elevados graus de ensino, porque isso não é apenas um direito de cada um, é, como outros gostam de encher a boca, um investimento no desenvolvimento colectivo, aí os vemos a justificar que as propinas não são assim tão elevadas e que o problema são os outros custos.

As propinas, e o que elas representam, são, de facto, o principal problema. Porque a sua existência assenta no princípio, que alguns querem levar ainda mais longe e aplicar ao alojamento, de que todos devem pagar pela educação e que o Estado deve limitar-se a ajudar os mais pobrezinhos.

E é essa a lógica que leva a que o Estado diga a milhares de estudantes que a educação não é para todos. É só para quem pode. Ou para quem esteja disposto, mesmo pagando propinas, a dormir na rua!




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