Maioria silenciada
Que critérios «jornalísticos» determinarão a ausência, nos alinhamentos dos noticiários e nas páginas dos jornais, dos problemas de quem trabalha – e que são a maioria da população? Que opção editorial poderá justificar o apagamento da realidade quotidiana de milhares de pessoas em Portugal, marcada por baixos salários, horários longos e desregulados, ritmos desenfreados, laboração contínua, trabalho à noite e ao fim-de-semana? O que leva a que das greves, nas poucas vezes que são tratadas, apenas se mostre quem sai «prejudicado» com elas (o passageiro sem comboio, o idoso sem consulta, a criança sem escola) e quase nunca as razões que as motivam? Porque não são notícia os obstáculos colocados em tantas empresas à actividade sindical, ao gozo de férias, folgas e licenças ou as pressões e ameaças sobre quem protesta e reivindica?
Uma coisa é certa, não é por falta de assunto. Só nos últimos dias, chegaram ao Avante! (e aos outros órgãos de comunicação social) dezenas de comunicados de sindicatos, denunciando ilegalidades, apresentando reivindicações, convocando lutas. Difícil era escolher.
Por um deles ficámos a saber que no Pingo Doce a administração pretende discriminar nos aumentos salariais consoante o sindicato a que cada um pertence. Noutro informa-se que os trabalhadores da Exide reclamam a redução da idade da reforma sem penalizações, por lidarem diariamente com produtos nocivos para a saúde, como o pó de chumbo. Já na Santa Casa da Misericórdia de Vila Verde, denuncia uma nota do sindicato do sector, a redução do horário de trabalho foi acompanhada da ilegal redução de salários.
No sector das conservas, onde trabalham sobretudo mulheres, a associação patronal insiste em chantageá-las com o alargamento dos horários de trabalho, bancos de horas e «regimes de adaptabilidade». Na Opção Eleita, empresa que assegura os serviços de bar e cantina do Hospital de São João, no Porto, o aumento salarial consumado em Maio foi revertido no mês seguinte, alegando a administração ter-se tratado de um «engano». Situação parecida ocorreu na Matutano, lê-se noutro comunicado: os trabalhadores receberam menos 30 euros em Junho devido à anulação unilateral de um «prémio» criado pouco antes.
Se estes problemas estiveram ausentes das televisões, rádios e jornais, melhor sorte não teve a luta travada para os superar: o Dia Nacional de Luta convocado pela CGTP-IN para o passado dia 28 foi praticamente ignorado.
As respostas são simples, afinal, e residem em opções, mais do que editoriais, de classe, ou não fossem as televisões, as rádios e os jornais maioritariamente detidos por grandes grupos económicos. E não há nada que estes mais temam do que esta maioria, organizada e combativa, que tentam a todo o custo silenciar.