Perfil ideológico

Filipe Diniz

Entrevista do ministro da Cultura, Adão e Silva (Visão, 29.06.2023). O primeiro pretexto é a reorganização da Direção-Geral do Património Cultural, criando dois novos organismos: a empresa Museus e Monumentos de Portugal e o instituto público Património Cultural.

Não será este o espaço para uma apreciação específica dessas iniciativas. Há todavia coisas a dar atenção desde já.

Uma é o obstinado esforço de atrelar o património ao turismo (a um certo tipo de turismo), face ao qual prioriza «qualificar a oferta». Outra é que «termos um modelo de gestão do tipo empresarial é uma vantagem», porque (fantasia ele) proporciona «mais recursos e capacidade de investir nos recursos humanos». Assim imagina a «nova empresa pública, com abertura à sociedade civil, criando um órgão que é o conselho de curadores, onde vão estar os mecenas». A terceira é que o processo de transferência de responsabilidades para os municípios avança também nesta área. Todos os precedentes justificam um alerta.

Um especialista, o arqueólogo Luís Raposo, escreveu (Público, 23.03.2016): «os monumentos e museus de que somos transitoriamente legatários […] constituem antes de tudo reservas de soberania que devem ser colocadas ao serviço da emancipação cidadã. Só depois virão usos e virtualidades outras, como as de servir ao turismo e até as de gerar receitas». Existe uma diferença abissal entre a concepção de um verdadeiro Serviço Público de Cultura (diríamos nós) e a ideologia da «gestão empresarial».

Última coisa a registar: interrogado sobre se «vamos começar a devolver peças para as ex-colónias?», o ministro conclui esta coisa inqualificável: «Se o país A devolver uma peça para o país B e depois o país B não estiver capacitado para conservar e restaurar essa peça, isso não beneficia ninguém». O perfil ideológico de um cromo PS.




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