Porquê Taiwan?

Luís Carapinha

Exige-se uma via de co­e­xis­tência e co­o­pe­ração

En­quanto na guerra da Ucrânia o im­pe­ri­a­lismo con­tinua a aca­lentar o ce­nário da der­rota da Rússia e a de­ses­timar a via ne­go­cial, nas fron­teiras ma­rí­timas da China, Washington e vas­salos pros­se­guem a es­ca­lada mi­litar contra Pe­quim. É um facto as­su­mido que a China e o PCC são o alvo cen­tral da in­qui­e­tude exis­ten­cial dos EUA na pri­meira me­tade do sé­culo (e a guerra ati­çada na Ucrânia serve também para ajudar a do­brar a UE aos de­síg­nios da es­tra­tégia anti-China) e, neste âm­bito, Taiwan surge cada vez mais como um pe­ri­goso foco de tensão.

A Casa Branca em­prega a arte da su­prema hi­po­crisia. Afir­mando re­co­nhecer o prin­cípio de uma só China, co­loca na prá­tica obs­tá­culos à po­lí­tica de reu­ni­fi­cação pa­cí­fica da China, envia armas so­fis­ti­cadas ao go­verno de Taipé e pro­move as forças in­de­pen­den­tistas, lan­çando um repto à linha ver­melha en­fa­ti­zada por Pe­quim. In­voca a Con­venção das Na­ções Unidas sobre o Di­reito do Mar, da qual, ao con­trário da China, os EUA não são sig­na­tá­rios, para in­ten­si­ficar as pro­vo­ca­ções da sua Ma­rinha de Guerra no es­treito de Taiwan.

O an­tigo re­fúgio dos der­ro­tados da re­vo­lução chi­nesa de 1949 é uma peça cru­cial para manter viva a es­tra­tégia de tensão em torno da China e ali­mentar a po­lí­tica geral de con­tenção e su­pressão adop­tada pela classe di­ri­gente norte-ame­ri­cana, pese em­bora a den­si­dade da re­lação co­mer­cial e os laços de de­pen­dência eco­nó­mica entre os EUA e a se­gunda eco­nomia mun­dial. Mais do que isso, Taiwan en­contra-se no centro da ver­da­deira guerra tec­no­ló­gica em curso contra a China que está no âmago de toda a con­tenda com Pe­quim tra­vada em múl­ti­plos do­mí­nios.

Para o es­ta­blish­ment nos EUA, a perda da com­pe­tição tec­no­ló­gica com a China sig­ni­fica o fim da (de­ca­dente) he­ge­monia mun­dial e Taiwan é hoje líder no fa­brico dos se­mi­con­du­tores (chips) mais so­fis­ti­cados do mundo. Cir­cuitos in­te­grados com mi­lhares de mi­lhões de tran­sís­tores num es­paço me­dido em cada vez menos na­nó­me­tros são uma com­po­nente in­dis­pen­sável a um nú­mero cres­cente de novas tec­no­lo­gias, tor­nando-se um ac­tivo es­tra­té­gico in­se­pa­rável do poder mi­litar e eco­nó­mico à es­cala mun­dial. Os EUA já só fa­bricam uma parte di­mi­nuta da pro­dução mun­dial, mas con­servam di­reitos de pro­pri­e­dade sobre pra­ti­ca­mente todos os seg­mentos da ca­deia mun­dial de pro­dução dos chips de úl­tima ge­ração.

A pa­rada em torno de Taiwan é tal que um an­tigo con­se­lheiro de se­gu­rança na­ci­onal de Trump afirmou que os EUA des­trui­riam as fá­bricas de chips de Taiwan para im­pedir que estas caíssem em mãos da China. Daqui, toda a pa­ra­fer­nália de san­ções ar­bi­trá­rias para boi­cotar as ex­por­ta­ções dos chips mais avan­çados para a China (in­clu­sive desde Taiwan), pres­si­o­nando os ali­ados (UE, Japão, Co­reia do Sul, etc.) a juntar-se em pre­juízo pró­prio às im­po­si­ções dos EUA, romper as ca­deias de pro­dução in­ter­na­ci­o­nais com a par­ti­ci­pação da China (a fa­mi­ge­rada de­sa­co­plagem e, agora, de-ris­king) e re­lo­ca­lizar nos EUA parte da ca­pa­ci­dade pro­du­tiva ne­vrál­gica. É o também caso das tor­tu­osas pres­sões e listas ne­gras se­lec­tivas de em­presas chi­nesas sob boi­cote, in­vo­cando riscos não com­pro­vados à se­gu­rança, a que Por­tugal – numa de­mons­tração la­men­tável de ser­vi­lismo e vistas curtas – acaba de se vergar.

Um ca­minho re­ac­ci­o­nário, su­blinhe-se, nos an­tí­podas da ne­ces­sária via ra­ci­onal da co­e­xis­tência e co­o­pe­ração, sal­va­guarda da paz e de­sen­vol­vi­mento.

 



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