Uma de tantas vidas
Nisreen Lubbad nasceu e viveu quase toda a vida num campo de refugiados nos arredores de Belém, na Palestina, um dos muitos criados nos territórios ocupados pelos que fugiam da brutalidade da ocupação sionista – em 1948, em 1967 e em sucessivas vagas de limpeza étnica (a expressão é do historiador israelita Ilan Pappé). Como outros, é um lugar exíguo e sobrelotado, onde falta tudo – da água canalizada às mais elementares perspectivas de futuro. A vida, lá, é como numaprisão de onde se pode ver o céu – resumiu a resistente palestiniana numa sessão de solidariedade realizada há dias, em Lisboa, na qual participou.
Durante anos, Nisreen e todos os seus familiares e vizinhos ali ficaram, confinados, numa espécie de quarentena. Sem poderem sair, sujeitos ao recolher obrigatório e a todo o tipo de arbitrariedades e violências dos militares israelitas, que eram – como continuam a ser – frequentes: «A tua vida pode estar nas mãos de um soldado num checkpoint [posto de controlo militar, fixo ou móvel – são às centenas na Palestina ocupada]. Os soldados entram nos campos de refugiados e muitas vezes matam, ferem e prendem crianças e jovens palestinianos. Com total impunidade.»
Duas das organizações sociais palestinianas que Israel pretende encerrar e cujas sedes assaltou em 2022 (Adammeer, de apoio aos presos, e Defesa para as Crianças – Palestina), mas também a israelita B’tselem, têm vindo a documentar estes crimes: desde o ano 2000, mais de 12 mil menores palestinianos passaram pelas prisões de Israel, na maioria dos casos privados até das visitas dos seus pais; para cima de 2200 morreram às mãos das forças ocupantes. Destes, 17 eram amigos ou antigos colegas dos dois filhos de Nisreen Lubbad (o mais velho tem hoje 23 anos e a mais nova 20).
«Na Palestina ocupada – concluiu, emocionada – nenhuma mãe e nenhum pai pode garantir que cumpre a sua obrigação básica de proteger os seus filhos. É terrível.»
Sendo única, como todas são, a vida desta resistente palestiniana, refugiada em Madrid desde 2018, é semelhante às de milhares dos seus compatriotas. Conta a história de um povo despojado de tudo, menos da sua dignidade, que não desiste da sua existência, da sua identidade, da sua terra e do seu país – independente, soberano e viável, como há muito lhe foi prometido, mas sempre negado.
Entretanto, a Assembleia Geral da ONU assinalou, pela primeira vez, a Naqba palestiniana, por ocasião do seu 75.º aniversário. Para o já citado historiador israelita, Ilan Pappé (que também passou por Portugal recentemente), é um sinal de mudança, só possível porque os EUA «já não são tão importantes como já foram».
Será? O tempo, a luta e a solidariedade o dirão. E determinarão!