G7: Cimeira de guerra

Jorge Cadima

A escolha de Hiroxima ganha contornos sinistros

Vivendo na ilusão de grandezas passadas, sete países insistem em tentar transmitir a ideia de serem as sete maiores economias do mundo. Mas a realidade já não é o que era. Segundo a base de dados do FMI (World Economic Outlook Database), em Abril de 2023, em PIB Paridade de Poder de Compra, os sete países estão apenas na 2.ª posição (EUA), 4.ª (Japão), 5.ª (Alemanha), 9.ª (França), 10.ª (Reino Unido), 12.ª (Itália) e 15.ª (Canadá). Em conjunto, os 5 países dos BRICS já ultrapassaram os G7 (respectivamente 32,1% e 29,9% do PIB PPC mundial), com a China a ocupar a 1.ª posição, a Índia a 3.ª, a Rússia a 6.ª, o Brasil a 8.ª e a África do Sul a 33.ª.

O G7 decidiu reunir este ano em Hiroxima, local dum crime maior da História, onde os EUA inauguraram a era nuclear com um holocausto da população civil. Crime repetido três dias mais tarde em Nagasáqui. A CNN diz-nos que o local foi escolhido para «recordar os riscos duma guerra nuclear ao discutirem a Rússia e o conflito na Ucrânia» (18.5.23). Mas o único país que já usou armas nucleares estava sentado na sala, manda nos G7 e defende o seu crime. Nem Biden, nem qualquer outro presidente, alguma vez pediu sequer desculpa pelo holocausto atómico de 1945. E a Cimeira dos G7 não serviu para procurar pôr fim à guerra na Ucrânia e a outros conflitos no mundo. Pelo contrário. Serviu para atiçar as chamas da confrontação, particularmente contra a China. Foi uma cimeira de escalada das ameaças de guerra. A escolha de Hiroxima ganha assim contornos sinistros e de recado ao estilo mafioso.

O comunicado dos G7 retoma todas as patranhas anti-chinesas. O Financial Times (20.5.23) titula que «o G7 emite a sua mais forte condenação da China e intensifica a sua resposta a Pequim», chegando a escrever que o comunicado «critica a China a propósito de tudo». Falando linguagem mais clara, o jornal chinês Global Times escreve que «ficam patentes as intenções dos EUA de replicar a ‘crise ucraniana’ na região Ásia-Pacífico». Noutro artigo, escreve: «Não se trata apenas duma ingerência brutal nos assuntos internos da China e de caluniar a China, mas também uma vontade irresistível de confrontação entre os campos, que tornou os G7 numa das maiores ameaças para a paz e desenvolvimento que o mundo enfrenta hoje» (22.5.23). Os manifestantes que encheram as ruas de Hiroxima dizem o mesmo.

Enquanto os G7 atiçam os ventos de guerra, pela primeira vez desde há décadas sopram alguns ventos de paz no Médio Oriente. Reflicta-se sobre o facto de, deixando os EUA à margem, ter sido possível à China servir de mediador para uma impensável reconciliação entre o Irão e a Arábia Saudita. O acordo abriu caminho ao regresso da Síria à Liga Árabe e à negociação para uma solução do mortífero conflito no Iémen. Mas as soluções políticas e pacíficas só são possíveis quando há vontade. E a vontade dos EUA, UE, NATO e G7 não são soluções políticas. Como se comprovou nas últimas décadas, a 'diplomacia' das potências imperialistas é a guerra. Os sectores mais reaccionários do grande capital financeiro querem a guerra, esperando assim travar o seu declínio. Não aceitam a igualdade e a coexistência pacífica. E depois admiram-se de não terem amigos, enquanto a fila de espera para a adesão aos BRICS cresce todos os dias.




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