Os de baixo e os de cima

Anabela Fino

No pri­meiro tri­mestre do ano, os ga­nhos dos bancos em Por­tugal, com­pa­rados com os re­gis­tados no pe­ríodo ho­mó­logo do ano pas­sado, foram de fazer crescer água na boca: San­tander, mais 38,1%; Novo Banco, mais 84,5%; Mon­tepio, mais 70,4%; BPI, mais 75%; BCP, mais 90%; CGD, mais de 200%.

Há uma dé­cada que os bancos não re­gis­tavam tão gordo cres­ci­mento, dizem os es­pe­ci­a­listas, e mos­tram os factos que tanto lucro não advém da ac­ti­vi­dade pro­du­tiva que é su­posto a banca fi­nan­ciar, mas es­sen­ci­al­mente do au­mento das taxas da juro que o BCE tem vindo a im­ple­mentar no ale­gado com­bate à in­flação.

O BCE, re­corde-se, é aquela ins­ti­tuição que diz, na sua pá­gina ofi­cial, tra­ba­lhar «para manter os preços es­tá­veis na área do euro», de molde a que, com o nosso di­nheiro, pos­samos «com­prar tanto amanhã como hoje». Pa­rece ane­dota, mas não é. A pre­sidi-lo está Ch­ris­tine La­garde, que exige o fim dos apoios aos custos da energia e, em­bora re­co­nhe­cendo que o au­mento das taxas de juro se re­flecte de forma brutal nos re­em­bolsos das fa­mí­lias aos bancos, diz que «não as pode ali­viar». É a versão eu­ro­peia do «aguenta, aguenta» e do «tenha pa­ci­ência» que os ricos re­co­mendam aos po­bres.

Para quem anda dis­traído, re­fira-se que o ven­ci­mento anual de La­garde, pago com o di­nheiro dos con­tri­buintes, ul­tra­passa os 400.000 euros, a que acresce uma re­si­dência ofi­cial e se­guros de saúde e de aci­dentes.

Aos tra­ba­lha­dores, o BCE não perdoa o raquí­tico au­mento dos sa­lá­rios e não há he­rança mi­xu­ruca ou prémio de lo­taria que não sejam ta­xados, mas nem se­quer sonha em aplicar um im­posto sobre lu­cros cho­rudos que os bancos estão a ar­re­cadar graças à sua po­lí­tica.

Dizia Le­nine que «a morte de uma or­ga­ni­zação acon­tece quando os de baixo já não querem e os de cima já não podem.» Já es­ti­vemos mais longe.




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