Estado lastimoso da ciência em Portugal exige respostas
Dezenas de profissionais ligados à área da investigação e da ciência participaram na audição pública O estado da ciência em Portugal, promovida pelo PCP, dia 5, na Assembleia da República. O Secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, encerrou a iniciativa.
«O que mata a ciência é a precariedade, a instabilidade e o subfinanciamento»
Depois de apresentada a sessão, coube a Manuel Loff, deputado eleito nas listas da CDU pelo círculo do Porto, traçar um panorama geral da estado da ciência no País. Os 17 contributos partilhados por investigadores, professores e membros de estruturas sindicais e outras organizações ligadas ao sector (ver caixa), comprovariam os vários problemas enumerados pelo eleito ao longo da sua intervenção.
Para os presentes, o diagnóstico ali feito do estado actual do Sistema Científico e Tecnológico nacional não se constituiu como novidade: o crónico subfinanciamento das actividades no sector, a precariedade no emprego dos agentes da ciência, o envelhecimento dos seus actuais quadros e o enorme desequilíbrio nos números efectivos de investigadores, técnicos e pessoal de apoio às actividades de investigação são principais os elementos que, segundo o deputado, o caracterizam.
Para além disto, apoiando-se no estudo recente Sobre a situação do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia – A propósito dos resultados provisórios do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional – 2019, Manuel Loff apresentou ainda como questões problemáticas vários aspectos qualitativos. Entre eles contam-se a ausência de uma política científica nacional; a ausência de mecanismos de efectiva gestão democrática das instituições públicas que integram o sistema; a limitada autonomia de gestão das instituições; os estatutos de carreiras específicas mal construídos ou inexistentes; a ausência de órgãos consultivos funcionais com uma composição adequada nas instituições executoras de políticas de investigação e desenvolvimento; e um financiamento público desequilibrado entre sectores científicos, em prejuízo das ciências sociais.
PCP não desiste da ciência e dos seus profissionais
Concluído o período de testemunhos, que enriqueceram e acrescentaram à informação do Partido sobre a matéria, foi a vez de Paulo Raimundo encerrar a sessão: «Anda-se a discutir tanta coisa interessante pelo País fora e nós a perder tempo com coisas insignificantes como a ciência, o futuro do País e a produção nacional», começou por ironizar o Secretário-geral do Partido, depois de lembrar que aquela sessão se integrava no Roteiro de Ciência e Investigação que o PCP está a levar a cabo.
Resumindo e verificando os vários problemas até então partilhados, lembrou que não é possível dar combate aos défices estruturais do País sem a modernização do aparelho produtivo. Esta, por sua vez, não é possível sem um «grande investimento e aposta no Sistema Científico e Tecnológico Nacional», algo que se constituiria como uma «aposta no presente, futuro e um garante da soberania» do País.
Para o PCP, o Estado deve definir uma política científica que atenda às necessidades e especificidades da economia nacional e do desenvolvimento social. «Não há aposta em ciência e tecnologia que possa assentar em subfinanciamento e na precariedade laboral, elementos que são marcas da política de décadas e de sucessivos governos, do PS e do PSD, com ou sem CDS», salientou Paulo Raimundo.
De acordo com o dirigente comunista, o que «mata a ciência» é o subfinanciamento, a falta de estabilidade laboral, a situação de precariedade de 4000 investigadores e, também, a «falta de tinta na caneta do ministro das Finanças».
«Não há desenvolvimento do País sem este património científico, sem este empenho e sem esta gente», sublinhou o dirigente, perto já do final da sua intervenção.
Manifestação contra a precariedade na ciência
Ao longo da sessão surgiu por várias ocasiões a referência à manifestação contra a precariedade na ciência que se realizará no dia 16 de Maio, em Lisboa, entre a Reitoria da Universidade de Lisboa e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
A manifestação, que foi convocada por dez entidades, pretende, entre outros elementos, a garantia de um mecanismo permanente de financiamento para a contratação para a carreira de investigação científica, a revogação do estatuto de bolseiro de investigação e a substituição de todas as bolsas por contratos de trabalho, a contratação permanente de trabalhadores em funções técnicas, de gestão de ciência, funções próximas e de docentes convidados e o fim do subfinanciamento crónico das Instituições de Ensino Superior e de Ciência.
Depoimentos
«A desvalorização do trabalho, a precarização e a erosão democrática das instituições são regra no Ensino Superior e na investigação. Sabemos que o subfinanciamento no Sistema Científico e Tecnológico nacional é crónico.»
Nuno Peixinho, investigador e membro da Fenprof
«A estrutura destes laboratórios colaborativos, os CoLab, tem uma arquitectura institucional que favorece uma lógica extremamente empresarializada de gerir unidades de investigação e o trabalho que nelas se faz.»
Ana Alves da Silva, investigadora em Laboratório Colaborativo e membro da ABIC
«A idade média dos investigadores nos laboratórios do Estado é de 52 anos ou mais. Portanto, há mesmo uma necessidade de recrutamento de novos investigadores porque muitos estão à beira da reforma, mas os laboratórios não têm autonomia para tal.»
Peter Jordan, presidente do Conselho Científico do Instituto Ricardo Jorge e do Fórum dos conselhos científicos dos laboratórios de Estado
«Temos 150 doutorados, a maioria no topo da carreira. Não temos um único investigador coordenador e apenas um principal. Abrimos os concursos, mas como não podemos fazer promoções sem a autorização das Finanças, os concursos estão parados.».
Rosa Lino Neto, investigadora no Laboratório de Investigação do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária
«Há um grande número de investigadores que têm vínculos laborais precários, com contratos a termo incerto, não há perspectiva de integrarmos um quadro e desenvolvermos uma carreira de investigação digna e com estabilidade».
Pedro Paulo, membro do Núcleo de Investigadores do Instituto Superior Técnico
«Não temos investigadores coordenadores. O laboratório de energia tem investigadores principais, mas no de geologia o último investigador principal reformou-se no ano passado. Continuamos à espera da progressão na carreira.»
Maria João Batista, investigadora auxiliar no Laboratório de Energia e Geologia
«A rotatividade entre investigadores não traz qualquer tipo de sustentabilidade para as próprias instituições. São pessoas com muitos anos de experiência e de dedicação. É uma capacidade instalada que as instituições vão perder.»
José Manuel Gaspar, membro do Núcleo de Investigadores do Instituto Superior Técnico
«Actualmente, sou investigadora principal contratada no âmbito do Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual. Foram precisos quatro concursos internacionais em 15 anos para desempenhar a profissão que escolhi, a de investigação científica.»
Sofia Sampaio, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
«No que toca aos bolseiros, a reivindicação é simples: acabar com o estatuto que cristaliza a excepcionalidade de uma relação laboral que não o deveria ser. Independentemente da fase da carreira, sãoinvestigadores que produzem ciência todos os dias.»
Sofia Lisboa, membro da ABIC
«Os laboratórios de Estado chegaram a um estado lastimoso. Não só em termos de recursos humanos, mas em termos de equipamentos também. Neste momento, estamos na linha de água, não temos já capacidade de resposta em várias áreas.»
João Paulo Carvalho, investigador auxiliar no Laboratório de Energia e Geologia
«Entendemos que o RJIES deve ser revogado e que um novo regime não pode excluir os trabalhadores não docentes do órgão de gestão, deve aumentar o número de estudantes presentes e prever o aumento do financiamento das instituições numa base plurianual.»
Joaquim Ribeiro, operador no Reactor Português de Investigação e membro daFederação Nacional dos Sindicatos da Administração Pública
«Um laboratório com a missão do LNEC ou de outros laboratórios do Estado, necessita de equipamentos e técnicas de medição adequadas. Caso contrário não conseguirão cumprir as suas missões.»
Francisco Sancho, membro do Conselho Científico do Laboratório Nacional de Engenharia Civil
«O RJIES foi uma machadada grande na democraticidade interna das instituições. Os conselhos gerais são muitas vezes sinistros. A maioria das universidades colocou banqueiros e empresários nos elementos externos dos conselhos gerais.»
Clara Grácio, docente da Universidade de Évora, Fenprof
«Os dados mais recentes, relativos a 2021, indicam que a despesa com investigação e desenvolvimento experimental em Portugal é de 1,68% do PIB. Deste valor, o sector público contribui com 0,64%.»
Frederico Carvalho, dirigente da Organização dos Trabalhadores Científicos
«Nas universidades, a autonomia científica não existe, cumpre-se apenas os objectivos dos institutos financiadores. Quando se estudam coisas que não têm qualquer tipo de expressão no mercado de trabalho, corre-se o risco de passar fome.»
António da Costa
«Estou contratada por um programa do Concurso de Estímulo ao Emprego Científico. Antes disso já tive uma norma transitória e uma bolsa de cientista convidado, antes dessa uma bolsa de pós-doc e antes uma bolsa de doutoramento.»
Ana Ferreira, Investigadora auxiliar na Faculdade de Ciência Sociais e Humanas
«As fundações não foram panaceia para coisa nenhuma. São um embuste, e a única coisa que fizeram foi acrescentar mais problemas na participação e na democraticidade das instituições.»
João Cunha Serra, dirigente do Sindicato de Professores da Grande Lisboa