A verdade e o resto

Gustavo Carneiro

Escreveu Álvaro Cunhal na obra O Partido com Paredes de Vidro que «a verdade é um princípio inerente a toda a vida e actividade do Partido. O amor pela verdade é elemento componente da moral comunista». E não podia ser de outra maneira, aliás: na concretização dos objetivos a que os comunistas se propõem é determinante a participação empenhada, organizada e consciente de amplas massas, pelo que a mentira, a ocultação e a manipulação – a pensar em votos, manchetes ou reacções nas redes sociais – não são opções válidas. Não para quem se propõe a transformar o mundo e a vida.

O nosso ofício é outro: ouvir, esclarecer, agregar, mobilizar. E a tarefa, sabemo-lo, nunca se apresenta fácil, ou não fosse a ideologia dominante a da classe dominante e tão abissal a desproporção de meios. Quanto ao caminho, é o de sempre: insistir e persistir até que a verdade, que o povo diz ser como o azeite, acabe por vir ao de cima. Este firme compromisso é válido em todos os momentos e circunstâncias, mesmo – ou sobretudo – quando é mais forte a ofensiva anticomunista, que sempre oculta uma outra, mais vasta, contra direitos e liberdades.

Dito isto, algumas questões se impõem.

Poderia o PCP, para se furtar à violenta campanha contra si movida, ter calado as responsabilidades dos EUA, da NATO e da UE no agravamento da tensão no Leste da Europa, que conduziu à presente escalada de guerra? Poderia ter tratado como inofensivos pormenores o cerco militar que desde os anos 90 do século XX se vem apertando em torno da Rússia ou o abandono unilateral, pelos EUA, de sucessivos acordos de controlo de armamentos? Poderia elogiar a superioridade moral do chamado Ocidente ignorando o Iraque, o Afeganistão, a Jugoslávia, a Síria, a Líbia, o próprio Donbass?

E poderiam os seus deputados ter aplaudido de pé o «herói» Zelensky conhecendo o poder xenófobo e belicista que representa, os crimes cometidos contra a população ucraniana de língua e cultura russas, a ilegalização de partidos e organizações democráticas e a ligeireza – e submissão – com que sacrifica o seu povo a tenebrosos interesses externos?

Poderia ter-se juntado ao coro dos que exigem mais sanções, sabendo que elas prejudicam os povos – todos eles – na exacta medida em que beneficiam a acumulação de lucros fabulosos por um punhado de grupos económicos? Poderia reclamar mais armas e a continuação da guerra até à derrota total da Rússia, apesar de saber que isso pode conduzir o mundo a uma catástrofe de dimensões incalculáveis? Poderia deixar de lado a defesa intransigente de diálogo, de negociações, de paz?

Poder, podia. Outros fizeram-no sem hesitar. Mas tal opção seria faltar à verdade – e aí o PCP já não seria o que é, mas outra coisa qualquer.




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