Farinha não faz bolacha!

João Frazão

O que levaria dezenas de trabalhadores a gritar, à porta de uma empresa de produtos alimentares, a inusitada palavra de ordem «Farinha não faz bolacha»? O dia limpo e prazenteiro ajudou os que se juntaram à porta da Cerealto, recusando a imposição de aumentos salariais de 4% e exigindo salários dignos. Ânimo, determinação, confiança e alegria na luta eram evidentes naqueles que ali se manifestavam, muitos pela primeira vez, bem expressos nas palavras de ordem ininterruptas.

O dirigente sindical do sector, na síntese que fez das razões da luta, informou que a empresa, numa última tentativa de intimidação, avisara que a greve iria provocar uma quebra na produção de cerca de 60 toneladas.

Um trabalhador da empresa pediu a palavra para, citando os casos de uma colega que tinha perdido os dedos num acidente de trabalho e de outros trabalhadores que, ao fim de uma vida de trabalho, foram «chutados» pela administração, com consequências dramáticas para as suas vidas, lembrar que para a empresa eram todos descartáveis.

Um pouco por todo o País, o Partido esteve presente em centenas de empresas e locais de trabalho, manifestando a sua profunda e inquebrantável solidariedade com os trabalhadores que participaram nessa memorável jornada de indignação protesto e luta promovida pela CGTP-IN no passado dia 9.

A intervenção do Partido, nesta como em tantas outras empresas, foi ouvida em silêncio absoluto. Estava a falar um dos deles, lembrando-lhes que a Cerealto tem as máquinas, a farinha, o açúcar e todos os demais ingredientes, mas sem os trabalhadores lá, para accionarem a produção, não é produzida nenhuma bolacha. Confirma-se, pois, o que, afirmamos na acção «Mais força aos Trabalhadores»: que são os trabalhadores que produzem toda a riqueza e que ela deve ser distribuída com justiça.

A resposta dos trabalhadores foi essa criativa mas acertada palavra de ordem – «Farinha não faz bolachas, farinha não faz bolachas!» Em uníssono, os trabalhadores verbalizavam o seu papel no processo de produção, nas empresas e, logo, na sociedade. Único, indispensável, insubstituível. Mesmo que alguns queiram fazer-lhes querer o contrário.

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Rectificação: na passada edição, no artigo intitulado «Onde é que eu já ouvi isto?», da autoria de João Frazão, refere-se por lapso que Fernando Ulrich fora CEO do BCP, quando na verdade foi CEO, sim, mas do BPI.



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