C4 no Báltico, bem-vindos ao mundo baseado em regras

Luís Carapinha

Os EUA ganharam com a explosão dos gasodutos

Não é surpreendente a revelação de Seymour Hersh da autoria dos EUA das explosões dos gasodutos Nord Stream entre a Rússia e a Alemanha através do mar Báltico. A resposta à primordial pergunta, a quem serviu o crime, foi sempre clara: Washington foi o grande beneficiário e a Casa Branca nunca o escondeu. Os EUA fizeram tudo para impedir a construção do Nord Stream 2 e, não o conseguindo, travar a sua exploração, o que lograram em 2021. Com Scholz há um ano, um Biden arrogante prometeu acabar com o Nord Stream 2 «se a Rússia invadir» a Ucrânia. O chanceler dobrou a cerviz à ameaça carregada de cinismo de Biden. Ambos sabiam que a direcção russa estava a ser empurrada contra a parede através do cenário armadilhado pelos EUA e a NATO na Ucrânia após a desintegração soviética, tendo como expoentes o alargamento da NATO para Leste e o golpe de Estado fascizante da Maidan de 2014.

Com a concretização em Setembro da operação terrorista no Báltico e a inutilização de três das quatro artérias dos gasodutos, incluindo as duas do Nord Stream 1, através do qual a Alemanha recebia desde 2011 gás natural da Rússia, altos-responsáveis dos EUA e países satélites não reprimiram o regozijo. Um ex-ministro da Defesa da Polónia twittou «obrigado EUA» e Liz Truss, em efémera passagem à frente do governo britânico, escreveu a Blinken «está feito». Certamente, a imprensa «livre» tratava então do insólito encargo de culpabilizar a Rússia, sem se questionar: por que insondável razão haveria a Rússia de destruir as infra-estruturas, de que era principal accionista, se lhe bastava fechar as torneiras do fornecimento de gás? Não fazia sentido, mas os papagaios do pensamento único pegaram na deixa, antes do gravíssimo atentado no leito do Báltico ser relegado a um assombroso quase-esquecimento – dada a matéria em causa e as suas repercussões que, ainda mais do que a Rússia, atingem a Alemanha. Até ao artigo de Hersh, veterano jornalista de investigação norte-americano, publicado há dias na página pessoal, face à indisponibilidade dos esteios da imprensa (in)dependente!

O relato de Hersh mostra como a CIA organizou a operação secreta ordenada pela Casa Branca e mergulhadores da Marinha dos EUA colocaram em Junho, a coberto de exercícios da NATO, os explosivos C4 nos gasodutos que mais tarde foram accionados por militares da Noruega. A matéria é literalmente explosiva. Trata-se de um acto de guerra sem precedentes contra uma potência nuclear. E no lugar do morto está o principal aliado dos EUA na Europa e principal potência da UE, cujos responsáveis também assobiam para o lado.

Tudo isto no pano de fundo da espiral de uma guerra intencionalmente não evitada e terminada na Europa (veja-se a confissão do ex-PM israelita, Bennett, confirmando que o Ocidente bloqueou em Março um acordo de paz entre Kiev e Moscovo). A assumida estratégia de confrontação dos EUA contra a China e a Rússia está a impor uma dinâmica generalizada de retrocesso social e ameaça o mundo com uma catástrofe. É esta a verdadeira selva que não poupa também vassalos e aliados. Talvez, sobretudo, Kissinger tivesse em mente o seu país de origem quando um dia advertiu: «ser inimigo da América pode ser perigoso, mas ser amigo é fatal»...




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