Duas questões que importam

Carlos Gonçalves

Falemos de duas questões actuais que tocam profundamente a Igreja Católica e «mexem» com as convicções religiosas que atravessam a sociedade, em múltiplas e contraditórias componentes, de classe e políticas, e que exigem da nossa parte uma abordagem cuidada, nem superficial nem de sensacionalismo mediático, orientada por caminhos de liberdade e progresso social.

A primeira é a das despesas com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que tem lugar em Agosto com a participação do Papa, de milhares de dignitários da Igreja e centenas de milhares de jovens de todo o mundo. A definição mais «adequada» das estruturas para o evento e do custo previsto, agora decididos, foi atrasada sem justificação credível, favorecendo o despesismo, o «ajuste directo» e as grandes empresas. O «coro de indignados» com os custos iniciais – reduzidos agora em cerca de dois milhões de euros (veremos!) – e com a distribuição entre os contribuintes e a Igreja, há muito conhecia o projecto original, mas por indiferença ou hipocrisia ignorou a situação económica e social do povo e do País e a atitude modesta do actual Bispo de Roma.

Portugal é um Estado laico, a Constituição estabelece a liberdade de consciência, de religião e de culto e a não discriminação entre comunidades religiosas, sempre separadas do Estado. O apoio concedido à JMJ deve ter em atenção os princípios constitucionais, tal como a outras organizações religiosas que concretizem iniciativas semelhantes. A JMJ deve assegurar as condições adequadas ao evento e ao usufruto futuro das populações e garantir rigor e contenção.

A segunda questão é o Relatório da Comissão Independente sobre os Abusos Sexuais a Crianças na Igreja, agora divulgado, e que, pela dimensão apurada – no mínimo cerca de cinco mil vítimas (!) (parte de uma realidade mais ampla) –, é uma «dura e trágica realidade» (diz o Presidente da Conferência Episcopal), que coloca à Igreja Católica, enquanto instituição (e ao Estado), a necessidade de intervir na prevenção aprofundada e na responsabilidade social, para além das consequências e apuramentos que devem absolutamente ser exercidos pela Justiça, como, seguindo o Papa, uma boa parte da Igreja já reconhece. Um avanço de humanidade e civilização que importa a um Portugal com futuro.




Mais artigos de: Opinião

Farinha não faz bolacha!

O que levaria dezenas de trabalhadores a gritar, à porta de uma empresa de produtos alimentares, a inusitada palavra de ordem «Farinha não faz bolacha»? O dia limpo e prazenteiro ajudou os que se juntaram à porta da Cerealto, recusando a imposição de aumentos salariais de 4% e exigindo salários dignos. Ânimo,...

Não gostam mas ajudam, objectivamente

Augusto Santos Silva (ASS) publica um pomposo escrito sobre «remédios contra o avanço da extrema-direita» (Público, 5.02.2023). Atesta sobretudo a incapacidade da social-democracia de direita em lidar com o problema. Falando claro, com o fascismo. Sendo alheio à análise marxista da questão, até com não-marxistas podia...

Olh’ó balão

Deu que falar o abate de um balão chinês por um avião militar norte-americano. As autoridades chinesas garantem que se tratava de um aparelho meteorológico; os EUA falam em espionagem, elevando a tensão… Segundo David Vine, professor na Universidade Americana de Washington, em Julho de 2021 os EUA tinham cerca de 750...

C4 no Báltico, bem-vindos ao mundo baseado em regras

Não é surpreendente a revelação de Seymour Hersh da autoria dos EUA das explosões dos gasodutos Nord Stream entre a Rússia e a Alemanha através do mar Báltico. A resposta à primordial pergunta, a quem serviu o crime, foi sempre clara: Washington foi o grande beneficiário e a Casa Branca nunca o escondeu. Os EUA fizeram...

Tomar a iniciativa em Évora pelo direito à Saúde

A realidade de prestação de cuidados de saúde no distrito de Évora não é diferente de outros territórios. As carências e estrangulamentos são dados objectivos num território com 14 concelhos, profundamente envelhecido, com fracas condições de mobilidade entre concelhos e entre freguesias. Tudo...