Duas questões que importam
Falemos de duas questões actuais que tocam profundamente a Igreja Católica e «mexem» com as convicções religiosas que atravessam a sociedade, em múltiplas e contraditórias componentes, de classe e políticas, e que exigem da nossa parte uma abordagem cuidada, nem superficial nem de sensacionalismo mediático, orientada por caminhos de liberdade e progresso social.
A primeira é a das despesas com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que tem lugar em Agosto com a participação do Papa, de milhares de dignitários da Igreja e centenas de milhares de jovens de todo o mundo. A definição mais «adequada» das estruturas para o evento e do custo previsto, agora decididos, foi atrasada sem justificação credível, favorecendo o despesismo, o «ajuste directo» e as grandes empresas. O «coro de indignados» com os custos iniciais – reduzidos agora em cerca de dois milhões de euros (veremos!) – e com a distribuição entre os contribuintes e a Igreja, há muito conhecia o projecto original, mas por indiferença ou hipocrisia ignorou a situação económica e social do povo e do País e a atitude modesta do actual Bispo de Roma.
Portugal é um Estado laico, a Constituição estabelece a liberdade de consciência, de religião e de culto e a não discriminação entre comunidades religiosas, sempre separadas do Estado. O apoio concedido à JMJ deve ter em atenção os princípios constitucionais, tal como a outras organizações religiosas que concretizem iniciativas semelhantes. A JMJ deve assegurar as condições adequadas ao evento e ao usufruto futuro das populações e garantir rigor e contenção.
A segunda questão é o Relatório da Comissão Independente sobre os Abusos Sexuais a Crianças na Igreja, agora divulgado, e que, pela dimensão apurada – no mínimo cerca de cinco mil vítimas (!) (parte de uma realidade mais ampla) –, é uma «dura e trágica realidade» (diz o Presidente da Conferência Episcopal), que coloca à Igreja Católica, enquanto instituição (e ao Estado), a necessidade de intervir na prevenção aprofundada e na responsabilidade social, para além das consequências e apuramentos que devem absolutamente ser exercidos pela Justiça, como, seguindo o Papa, uma boa parte da Igreja já reconhece. Um avanço de humanidade e civilização que importa a um Portugal com futuro.