O importante legado político de Amílcar Cabral está dirigido aos povos africanos em luta

A dias de se assinalar o cinquentenário do assassinato de Amílcar Cabral, fala ao Avante! Pedro Pires, presidente da fundação que leva o nome do fundador e dirigente do PAIGC.

Amílcar Cabral via os antifascistas portugueses como aliados da luta anticolonial

Lusa

Nascido em Cabo Verde em 1934, Pedro Pires é o actual presidente da Fundação Amílcar Cabral. Estudou em Lisboa, frequentou a Casa dos Estudantes do Império e integrou o grupo de 80 jovens africanos que abandonou clandestinamente Portugal, em Junho de 1961, juntando-se imediatamente ao Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, do qual foi destacado dirigente político-militar e membro do seu Estado Maior.

Integrou o governo guineense resultante da declaração unilateral de indendência, em 1973, e no ano seguinte chefiou a delegação do PAIGC que negociou os acordos de independência com Portugal. Foi primeiro-ministro de Cabo Verde entre 1975 e 1990 e Presidente da República de 2001 a 2011. Execeu as mais altas responsabilidades no PAICV (Partido Africano para a Independência de Cabo Verde), incluindo as de Secretário-geral e Presidente.

 

Como Amílcar Cabral via a relação entre a luta dos povos guineense e cabo-verdiano contra o colonialismo português e a luta do povo português contra a ditadura fascista e colonialista, e as relações entre o PAIGC e o PCP neste contexto?

Enquanto medida de elucidação e de prevenção contra entendimentos pervertidos da significação da luta de libertação anticolonial, Amílcar Cabral, numa postura pedagógica, mantinha a preocupação de marcar a diferença entre o colonialismo português e o povo português, por quem tinha bastante consideração, repisando que «o nosso inimigo, a quem combatemos, não é o povo português, são o colonialismo e a dominação colonial portuguesa». Entendia que os lutadores antifascistas e os opositores à guerra colonial, encabeçados pelo Partido Comunista Português, eram os aliados históricos e necessários da luta anticolonial conduzida pelo PAIGC.

O PAIGC mantinha relações de cooperação combativa com os militantes antifascistas reunidos no seio da Frente Patriótica, em Argel, e mantinha ainda relações directas com a liderança do Partido Comunista, com quem prosseguia uma cooperação política, muito útil para a avaliação da situação, nomeadamente no seio das Forças Armadas coloniais.

Não foi historicamente insignificante que os líderes precursores das lutas de libertação tivessem feito o «tirocínio político» junto e com as organizações juvenis oposicionistas portuguesas, como o MUD Juvenil. Essas relações permitiram a criação de laços de amizade e de confiança política que geraram bases sólidas para as relações de colaboração e de solidariedade durante as lutas de libertação e no período de construção dos fundamentos dos novos Estados soberanos.

 

50 anos após o assassinato de Amílcar Cabral, qual a importância do seu pensamento e acção para a luta dos povos, nomeadamente dos povos africanos, na actualidade?

A minha primeira apreciação, já que nos referimos a um assassinato político, é que as lutas de libertação dos povos colonizados não são opções e decisões sem consequências e elevados custos individuais e coletivos para os seus protagonistas. Pelo contrário, são escolhas críticas que impõem muitas renúncias, acompanhadas de riscos elevados e por sacrifícios vários de ordem material e espiritual.

Ademais, as lutas de libertação dos povos colonizados africanos ou outras têm sido marcadas amiúde por assassinatos e mortes trágicas dos seus líderes, executados por agentes e operacionais dos poderes coloniais. No caso de Amílcar Cabral, devido à qualidade da organização e às capacidades políticas e militares do PAIGC, os efeitos políticos desastrosos, próprios dessas maquinações criminosas, ficaram, em grande medida, anulados pelo seu excepcional «triunfo pós-morte».

O importante legado político de Amílcar Cabral está dirigido aos povos africanos em luta e às respectivas lideranças, das quais reclama a coerência, a lealdade e o respeito rigoroso pelos compromissos assumidos com os interesses nacionais. Diferenciava a libertação nacional da mera descolonização, porquanto esta traz no seu âmago o neocolonialismo, aliás, situação bem patente em maioria das «descolonizações africanas». Defendia a necessidade imperiosa da autonomia do pensamento e da acção das lideranças dos movimentos de libertação, extensivas aos líderes políticos actuais, e exortava a que pensassem com a sua cabeça e marchassem pelos seus próprios pés.

 

Quais são os objectivos da Fundação Amílcar Cabral e a acção por si desenvolvida?

A Fundação Amílcar Cabral foi criada em 1984, por recomendação dos participantes no Primeiro Simpósio Internacional Amílcar Cabral, realizado por ocasião do décimo aniversário do seu desaparecimento, na cidade da Praia, a 20 de janeiro de 1983. Tem como missão a recolha, a edição e a difusão das obras e do pensamento de Amílcar Cabral, assim como, as memórias da nossa luta de libertação. Tem editado os seus escritos produzidos durante a luta e sobre ela. Tem realizado simpósios, colóquios e debates sobre o seu o pensamento e a sua obra, em cooperação com instituições nacionais, africanas e internacionais. Em matéria de investigação, o seu centro de documentação tem prestado o apoio necessário.

Neste momento, tem em agenda a realização de diversas actividades ligadas à passagem do cinquentenário do assassinato do seu patrono; trabalha na candidatura dos seus escritos ao programa da UNESCO, «Memória do Mundo», em articulação com o governo cabo-verdiano, e está implicada na preparação da sua participação num vasto programa da celebração do centenário do seu nascimento, que quer que tenha uma ampla participação, nacional, africana e internacional, de instituições académicas, de institutos de investigação e de estudiosos do seu pensamento político e da sua obra. Contudo, as suas actividades não se resumem a isso. Tem trabalhado sobre outras figuras históricas nacionais de destaque. O seu campo de acção é amplo e diversificado e requer muitos meios. Precisa e busca novas parcerias dentro e fora do nosso país.




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