Sentes-te cansado?

Carina Castro (Membro da Comissão Política)

Que não falte a coragem para combater as injustiças

Chegados ao final de mais um ano é tradição fazer-se listas de resoluções e desejos para o ano vindouro. Já fizeste a tua?

Este é também o tempo em que a publicidade electrizante nos entra em casa, olhos e ouvidos adentro, e ficamos demasiadas vezes a pensar no que «falhámos» para não chegarmos àquele retrato perfeito da televisão, por não vivermos aquele conto de fadas. Estás cansado de não «chegar lá»?

Também tu chegas a este final de ano com muitos cansaços diferentes? Muitas horas de trabalho, demasiadas. Trabalhadas à noite e ao fim-de-semana. Mal pagas. Sair de casa de noite, chegar à noite.

Muito cansaço por fazer contas todos os dias para escolher entre aquecer a casa ou comer com o mínimo de dignidade. Por ter de ir buscar as luvas quando entras em casa, afinal a factura não pára de aumentar.

Muito cansaço por sentir que trabalhas cada vez mais, mas a carreira não sai da cepa torta, não há perspectiva de progressão, e o aumento do salário não chega.

Muito cansaço por não saber, mais uma vez, como pagar o aumento da prestação da casa ou da renda, cansaço porque tudo aumenta – combustíveis, comida, material escolar.

Muito cansaço de ver tantas notícias de lucros com mais zeros do que alguma vez vais ver numa vida inteira de trabalho. Galp: 608 milhões de euros até setembro, mais 86% do que no ano passado; EDP: 518 milhões de euros até setembro, o melhor registo em 5 anos; Novo Banco: 428 milhões, o triplo do registado em igual período do ano passado; e é nos mais 30% de lucros na Jerónimo Martins e Sonae, face ao ano passado, que está o aumento de 27% do preço do cabaz essencial. E dizem que não há dinheiro para aumentar salários e pensões. Sentes a raiva a crescer-te nos dentes?

Muito cansaço de tanta injustiça. Sabes, não és só tu que te sentes assim, tu és a maioria. A maioria que trabalha e não enriquece, e que quer ter uma vida melhor, um País com horizonte de futuro, que quer sonhar e fazer acontecer. Não estás sozinho.

Achas que é difícil fazer isto mudar? Aí mesmo ao teu lado tens outros que todos os dias fazem dessas injustiças força para lutar, que não se resignam, que organizam e participam nas muitas lutas que fazem tudo isto andar para a frente. Lutas de sempre, lutas novas, novos e velhos lutadores.

Achas que não adianta? Que não temos força? Nós somos o mesmo povo que foi capaz de derrotar o fascismo, somos o mesmo povo que foi capaz de fazer valer sonhos e fazer deles direitos inscritos na Constituição de Abril. E quando te dizem que isso da Constituição não conta, pergunta-te: se não conta, porque é que aqueles que se recusam a afrontar os muitos zeros dos lucros dos grupos económicos, estão há quase 50 anos a revê-la para a amputar?

Quando te disserem que a tua força não conta, pergunta-te: para quê tanto esforço a tentar convencer-te de que não vale a pena? Lembra-te então das bravas trabalhadoras da COFACO e da ESIPE que não se cansam de lutar pela dignidade a que têm direito, e os trabalhadores da Accenture que talvez tenham feito greve pela primeira vez na vida, e de todos os valentes trabalhadores do comércio que disseram não, e aderiram à greve no último dia 24 de Dezembro. E de todos os que saíram à rua, uma e outra vez, a lutar por mais médicos, pelo balcão da Caixa, pela reposição da freguesia que tinha sido roubada ao povo. Valeu a pena um ano de 2022 recheado de coragem para lutar, porque fizemos da indignação, acção, e acumulámos forças para avançar. E disto não te falam nos anúncios electrizantes. Falam-te nas páginas deste jornal que hoje lês, e nas ruas onde todos os dias te cruzas com a maioria como tu.

Estás cansado, sim, mas que não te falte a coragem para te indignares perante o injusto, que não te falte a coragem para lutar pela vida a que temos direito. Não estás sozinho. Enquanto comes a rabanada que sobrou do Natal e fazes a tua lista de desejos, deixo-te um desafio: faz de todos os teus sonhos força para lutar neste ano que se aproxima.

 



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