Brasil, a luta continua

Albano Nunes

A mobilização popular é de grande importância para assegurar avanços

O mundo tem os olhos postos no Brasil onde se trava uma luta de grande alcance entre as forças democráticas e progressistas e as forças da reacção e do fascismo que cresceram perigosamente nos últimos anos com o governo de Bolsonaro.

Nesta luta, que continua, acaba de ser alcançada com a eleição de Lula da Silva uma vitória de grande significado político e tanto mais quanto foi conseguida no quadro de uma campanha eleitoral em que Bolsonaro e os seus apoiantes recorreram a tudo, desde a utilização de fundos públicos, coacção nos locais de trabalho, manipulação da religião, calúnia e violência, para tentar manter-se no poder. Os episódios de violência armada contra apoiantes de Lula ou as mais de 500 operações de «fiscalização» policial em bastiões eleitorais de Lula para dificultar a votação, são particularmente significativos.

A vitória de Lula é uma vitória sobre os saudosistas da ditadura militar que entre 1964 e 1985 dominou o país e que ameaçam o Brasil com uma nova ditadura. É uma vitória que se propõe combater flagelos brutalmente agravados pelos governos de Temer e de Bolsonaro, como a fome e a violência, e que abre caminho à satisfação das mais urgentes e sentidas aspirações populares. É uma vitória que tem também um grande significado no plano mundial, dada a importância do Brasil nas relações internacionais, constituindo um valioso estímulo às lutas populares que se desenvolvem por toda a América Latina. O crescimento da extrema direita e do fascismo, nomeadamente nos EUA e na Europa, sofreu um importante revés.

Entretanto, a elevada percentagem eleitoral de Bolsonaro apesar da política frontalmente antidemocrática e antipopular do seu governo, da difusão dos valores mais obscurantistas e reaccionários e dos autênticos crimes cometidos face à pandemia ou na desflorestação da Amazónia, não pode ser subestimada, tanto mais que conta com o apoio do grande capital, dos gigantes do agro-negócio, de poderosos meios de comunicação social, de altos círculos militares e tem uma grande expressão institucional no Congresso e nos governos estaduais.

A vitória de Lula, cuja candidatura acabou por reunir um muito amplo e heterogéneo conjunto de forças políticas, suscita justificadas expectativas de mudança, mas os obstáculos que estão por diante são gigantescos. É de decisiva importância que a grande mobilização popular que caracterizou a campanha de Lula se não esgote na sua eleição pois ela é indispensável para frustrar previsíveis tentativas revanchistas e assegurar a concretização das promessas eleitorais.

«Esta não é uma vitória minha, não é só uma vitória do PT, foi uma vitória de todas as mulheres e homens que amam a democracia», afirmou Lula perante a imensa multidão que na Avenida Paulista celebrava a vitória afirmando a determinação em derrotar definitivamente o pesadelo bolsonarista e fazer avançar as legítimas expectativas de uma vida melhor. Sim, é uma vitória popular. Mas é aqui que se coloca perante os vencedores o grande desafio clássico: a exigência de não confundir estratégia e táctica, de não perder de vista que, com a correlação de forças actual, as transformações económicas e institucionais necessárias à consolidação da vitória eleitoral só poderão ser realizadas com o reforço das forças progressistas e revolucionárias e a mobilização da classe operária e das massas populares.




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