Tentativas e erros

Gustavo Carneiro

Começo esta crónica com um episódio pessoal. Limitado, como todos serão, mas – creio – exemplar.

Estávamos em 1995 e a Festa do Avante!, como habitualmente, transbordava de gente – e particularmente de jovens. Entre eles estava eu, estudante do Ensino Secundário e militante recente da Juventude Comunista Portuguesa. Como outros, aproveitava os intervalos que as tarefas permitiam para, com amigos, assistir a um concerto, visitar um pavilhão, comer ou beber alguma coisa, comprar um crachá, uma camisola, um livro.

Numa destas incursões, fomos apanhados pela equipa de reportagem de uma das estações privadas de televisão, de câmara apontada e microfone em riste: «Estão aqui pelo Partido ou pela música?». Depois de uma amiga responder qualquer coisa como «vim mais pela música, confesso, mas estou a adorar o ambiente», referi-me à Festa, ao Partido e aos seus ideais – não recordo já em que termos o fiz, mas terão sido os próprios da tenra idade e da pouca experiência, temperados com entusiasmo de sobra.

Mais tarde contaram-me que só ela apareceu no noticiário, e apenas na parte em que confessava ter ido «mais pela música». Das minhas declarações, ou outras de teor semelhante, nada! Soube ainda que o jornalista apresentou a peça propondo-se apenas a comprovaro que já sabia sobre as motivações da juventude ali presente.

Percebi então que a Festa do Avante! incomoda e que há, desde a primeira edição (realizada há já 48 anos), quem queira acabar com ela.

Logo em 1976 houve ameaças e sabotagens, e nos anos seguintes, por mais de uma vez, obrigaram-na a mudar de pouso e aos seus construtores a erguer uma cidade sobre terrenos nunca antes desbravados. Noutras ocasiões, como nesse ano de 1995, tentaram mostrá-la como um mero festival de música, para em seguida a apresentarem como uma iniciativa destinada apenas a alguns (poucos) comunistas. Num como noutro caso, limitada e condenada a desaparecer… E continua bem vivo na memória tudo o que se disse e fez em 2020, quando a epidemia era vista como pretexto para os mais variados roubos e ajustes de contas. Falharam, uma e outra vez!

Este ano, o ataque é mais cobarde, porque indirecto, dirigindo-se aos músicos que compõem o seu programa. Talvez tenham já percebido que a Festa do Avante! tem raízes profundas na sociedade e que os comunistas são gente firme, que não verga. O que talvez não esperassem é que os artistas também o fossem.

Percebe-se o incómodo do capital e dos seus vassalos. É que, como afirmou Álvaro Cunhal em 1976, esta é a «Festa de uma vida como a queremos e conseguiremos, de um mundo como construiremos, da fraternidade, da solidariedade como a sentimos». E é precisamente isto que temem.




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