Jogo perigoso

Anabela Fino

«As potências estrangeiras têm uma profunda marca económica, política e militar na região. Um Médio Oriente economicamente independente pode desafiar os padrões estabelecidos de hegemonia externa e minar o legado prolongado de dividir para reinar», escreveu Adeel Malik, investigador de economia da Universidade de Oxford, a propósito das movimentações que se estão a registar naquela região do mundo.

É sabido que a viagem de Biden ao Médio Oriente se saldou por um enorme fracasso, que nem a provocação da visita de Nancy Pelosi a Taiwan abafou.

Enquanto o presidente dos EUA voltava a casa sem ter convencido a Arábia Saudita a abrir a torneira do petróleo nem arregimentado mais aliados para o que designa de «ameaças iranianas», os seus homólogos turco e russo, Erdogan e Putin, debatiam no Irão assuntos de interesse para os respectivos países, Síria e Ucrânia incluídas.

Também por esses dias, Arábia Saudita e Irão começavam a falar de reconciliação, e o Iraque anunciou ir acolher uma reunião «pública» entre os dois países ao nível de ministros dos Negócios Estrangeiros; o presidente dos Emirados Árabes Unidos, xeque Mohamed bin Zayed Al Nahyan, chegava a Paris a convite de Macron, na sua primeira visita de Estado ao exterior; e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, era logo depois efusivamente acolhido pelo presidente francês à porta do Eliseu, após uma passagem memorável pela Grécia onde em 48 horas foram assinados 17 acordos bilaterais, incluindo um destinado a fornecer à Europa «energia muito mais barata», nas palavras de Salman.

Ao contrário do que procuram fazer crer as análises eurocentristas, sempre enfeudadas aos EUA, dos comentadores do establishment, o resto do mundo, ou seja a maioria dos países do planeta, encara a situação decorrente da guerra da Ucrânia e das sanções à Rússia à luz dos seus próprios interesses, como comprova o facto de, no passado dia 3, os membros da OPEP+, que inclui a Rússia, terem decidido reduzir o ritmo de aumento da produção de petróleo em Setembro, contrariando as pretensões dos EUA e UE.

Registe-se, a propósito, o facto de o novo secretário-geral da Organização, Haitham al-Ghais, do Kuwait, ter sublinhado que a OPEP não só não concorre com a Rússia como a considera como «um grande, dos maiores e muito influente protagonista no mapa mundial de energia».

Resumindo, e sem escamotear a complexidade do que está em causa, confirma-se que há mais mundo para além de Bruxelas e Washington e que há quem acredite que o «diálogo é a melhor política» e que a região já «tem crises suficientes e não precisa de mais tensões». Não é o caso dos EUA, que persistem nos jogos de guerra: no dia 2 aprovaram a venda de armamento à Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos no valor de cinco mil milhões de dólares.




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