Lumumba, os valores e as desculpas «europeias»

Manuel Gouveia

Mor­reram bem aqui ao lado, quase em frente ao Al­garve. Ho­mens, mu­lheres e cri­anças que fu­giam da fome e das guerras, de uma África que o co­lo­ni­a­lismo ex­plorou até ao tu­tano e o ne­o­co­lo­ni­a­lismo con­tinua a ex­plorar, en­quanto os ser­viços se­cretos «oci­den­tais» se en­car­regam de tentar cor­romper os seus lí­deres, e as­sas­sinar os que não se vendem.

Na se­mana em que o dente de Lu­mumba re­gressa à sua terra, mos­trando quão falso era o pe­dido de des­culpas que o acom­pa­nhou, mais 47 afri­canos foram as­sas­si­nados, às portas da «Eu­ropa», pelo grande aliado «oci­dental» na re­gião. Con­de­nados à morte por um de­ses­pero que os faz saltar todos os muros, apesar do arame far­pado, apesar das me­tra­lha­doras, apesar das balas. Mortos trans­pa­rentes para uma «Eu­ropa» ab­jecta, que se re­cusou a vê-los vivos e se re­cusa a ver a sua cri­mi­nosa morte. Ou pior, quando os vê, vê-os como ini­migos, como os ca­rac­te­rizou o pri­meiro-mi­nistro es­pa­nhol, jus­ti­fi­cando os as­sas­si­natos com um «as­salto vi­o­lento e or­ga­ni­zado», e por isso são da NATO os na­vios que os buscam no Me­di­ter­râneo para os de­volver a Porto in­se­guro.

Na «Eu­ropa» só pode en­trar o pe­tróleo afri­cano, o ouro afri­cano, o urânio afri­cano, as ri­quezas de África. Na «Eu­ropa» só pode en­trar o di­nheiro afri­cano, mesmo quando rou­bado por elites cor­ruptas e san­grentos di­ta­dores. Na «Eu­ropa» só pode en­trar o ci­dadão – quase sempre cri­mi­noso – com di­nheiro para com­prar vistos gold. Na «Eu­ropa» podem ainda en­trar al­guns afri­canos mais, para tra­ba­lhar, mas fil­trados, e pre­ca­ri­zados, e per­se­guidos, para que seja mais fácil ex­plorá-los como se um favor se lhes fi­zesse.

É ver­dade que é também na Eu­ropa que se situa a Uni­ver­si­dade Pa­trice Lu­mumba, exemplo pe­rene da co­o­pe­ração e ami­zade para com o con­ti­nente afri­cano. Mas essa fica em Mos­covo, longe da­quela parte da Eu­ropa que gosta de se chamar a si pró­pria «Eu­ropa». E tem o seu reitor sus­penso da As­so­ci­ação Uni­ver­si­tária Eu­ro­peia por ser «di­a­me­tral­mente oposto aos va­lores Eu­ro­peus».




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