Visita guiada

Gustavo Carneiro

Em tempos de feroz (e bem recompensado) anticomunismo, haverá quem de boa-fé soçobre perante a torrente do pensamento único, avassaladora por estes dias, a propósito – e a pretexto – da guerra no Leste da Europa. Quando falcões são travestidos de pombas e quem mais firmemente se bate pela paz e pelos direitos dos povos surge como alvo a abater recomenda-se uma breve – mas útil – visita guiada por posicionamentos passados, quando se dispensava oportunismos hoje tão em voga.

Já em 1996, no seu XV Congresso, o PCP alertava para os efeitos dramáticos, nos países da ex-União Soviética, do desmantelamento das estruturas económicas e sociais do socialismo, desde logo a «brutal degradação das condições de vida da maioria dos seus povos, com explosão da miséria, do desemprego, da criminalidade, de violentos conflitos étnicos».

Outros, hoje tão amigos da Ucrânia, glorificavam o capitalismo triunfante e os tais oligarcas, saudados então como respeitáveis e democráticos empresários. E não guardavam uma só palavra para os milhões de desempregados, pobres e emigrantes que resultaram da tão gabada reconversão capitalista – que na Ucrânia levou à redução da população, entre 1991 e 2019, em cerca de 10 milhões de pessoas.

Dois anos depois e em Portugal só o PCP se opunha ao alargamento da NATO. Em 1998, num debate parlamentar, questionava se a paz não deveria antes assentar no «respeito mútuo, na criação da confiança, na erradicação das hegemonias e das relações de domínio e subordinação». E se, com o reforço e extensão da NATO, não se estaria a «lançar achas para uma fogueira que algum dia queimará as hipóteses de estabilidade, segurança e cooperação».

Que não, tratava-se apenas da segurança europeia – apressaram-se a sentenciar dirigentes políticos, comentadores e analistas, ao mesmo tempo que se incendiava a Bósnia e o Kosovo, se preparava a agressão ao que restava da Jugoslávia e se iniciava o cerco militar à então ainda prostrada Rússia.

Em 2004, no Parlamento Europeu, o PCP considerava «fundamental haver um empenhamento na estabilidade da Ucrânia» e reconhecia ter havido já um «excessivo intervencionismo externo». Dez anos mais tarde, condenava na Assembleia da República o golpe de Estado «apoiado pelos EUA, UE e NATO, que conduziu ao poder forças de extrema-direita, abertamente neofascistas e xenófobas», e a violência, intolerância e perseguição que dele decorreram – patentes no massacre da Casa dos Sindicatos de Odessa, no processo de ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia, na guerra que já então dilacerava o Donbass.

A proposta do PCP não passou e no momento da sua apresentação houve de tudo – até risos – por parte de alguns daqueles que hoje fazem emocionadas juras de amor à paz e à Ucrânia.

Dúvidas?

 



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