Os valores de Abril no futuro de Portugal

Margarida Botelho (Membro do Secretariado)

O Centro de Estudos e Sondagens da Universidade Católica divulgou recentemente os resultados de um estudo de opinião sobre o 25 de Abril que revela que são as mulheres e os nascidos depois de 1974 que mais valorizam a revolução portuguesa. Mais de 80 por cento das mulheres inquiridas consideram que o 25 de Abril foi «muito importante» e as faixas etárias que mais o valorizam são as dos 25 aos 34 anos, dos 35 aos 44 e a dos 16 aos 24 anos, por esta ordem.

Há uma memória colectiva do que foi o fascismo

As sondagens e os estudos de opinião valem o que valem e nem todos têm o mesmo rigor. Sem pretensão de fazer deste estudo prova seja do que for, estes resultados são no mínimo curiosos. Pode assumir-se como mais natural que uma mulher dos dias de hoje, lembrando-se como era a sua vida antes do 25 de Abril, ou conhecendo a experiência das mães ou das avós no trabalho, na família, na sociedade em geral, atribua esse carácter transformador e emancipador ao processo revolucionário. Mas o que explicará o nível de valorização em faixas etárias tão jovens?

Nenhum destes inquiridos era sequer nascido em 1974, e em muitos casos precisaremos de recuar até à geração dos seus avós para encontrar algum familiar que fosse adulto durante o processo revolucionário. Honrosas excepções à parte, não terá sido nos currículos da escola que foram esclarecidos e entusiasmados para a importância do 25 de Abril nos dias de hoje e para a necessidade de o comemorar – porque era sobre isso que versava o estudo.

Não atravessamos propriamente tempos em que no plano mediático se promova os valores de Abril, se fale do tanto que se lutou para derrotar o fascismo, nem do muito que das conquistas da revolução ainda temos nas nossas vidas. Mais fácil será tropeçar em dichotes sobre o estado em que os «48 anos de socialismo» deixaram o País, sobre a democracia ter começado em 25 de Novembro ou em equivalências entre ditadura e democracia.

O estudo indica alguns dos aspectos apontados como «muito positivos» no 25 de Abril pelos inquiridos – todos, não especificamente os mais jovens: a liberdade, o direito de voto, a liberdade de expressão, a democracia, os direitos das mulheres, a liberdade sexual, as condições laborais, o acesso à cultura, não sabendo se os items foram indicados pelos entrevistadores ou pelos entrevistados.

Seja como for, será nesse terreno, o do concreto da vida, que se encontrará a explicação para, quase 50 anos depois, os valores de Abril estarem tão enraizados na sociedade portuguesa e na gerações que não viveram a revolução.

Há uma memória colectiva do que foi o fascismo, a repressão, a pobreza, a guerra colonial, o analfabetismo, o trabalho infantil, as discriminações, as desigualdades, o obscurantismo, de como o fascismo condenou sucessivas gerações de jovens à fome, à miséria e à guerra. Uma memória, que devia ser bem maior, de como foi a resistência e a luta contra o fascismo, e dos seus protagonistas. Uma memória ainda muito viva de como os que eram jovens no 25 de Abril abraçaram a liberdade e as possibilidades de desenvolvimento individual e colectivo que se abriram como nunca antes na história do país.

Para essa memória contribuem os relatos da família, dos amigos, dos colegas de trabalho. Os milhares de iniciativas populares de comemoração do 25 de Abril em todo o país ao longo dos anos. As obras culturais. O trabalho empenhado e militante de milhares de homens e mulheres, comunistas e democratas, junto de sucessivas gerações de crianças e jovens, em escolas e colectividades, denunciando o fascismo e defendendo Abril.

Mas essa raiz profunda dos ideais de Abril encontra-se sobretudo nas necessidades objectivas e nos anseios das novas gerações por liberdade e emancipação. Necessidades e anseios que implicam uma escola pública, emprego com direitos, acesso à cultura e ao desporto, habitação, paz, uma sociedade que respeite a natureza, que ponha ao serviço do povo os recursos do País, que confie nas capacidades dos jovens para o desenvolver. Ou seja, os valores de Abril mantêm-se vivos na consciência das mais jovens gerações. Valores de Abril que a luta dos jovens tem exprimido, a que a Constituição da República responde e que têm de ser concretizadas.

Necessidades e anseios que o Programa do PCP incorpora – Uma Democracia Avançada – os Valores de Abril no Futuro de Portugal. Porque, como justamente afirma o lema do PCP para as comemorações do 25 de Abril, Abril é mais futuro!

 



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