Pensando

Anabela Fino

Nestes tempos em que pensar fora dos padrões instituídos voltou a ser um delito e o jornalismo bem comportado é o que banaliza o horror, comove muito e pouco ou nada contextualiza, torna-se difícil destrinçar onde começa a incompetência e acaba a manipulação nas doses maciças de (des)informação diária.

Com a má consciência de quem tem telhados de vidro e na vã tentativa de fazer esquecer que a Ucrânia não tem, infelizmente, o exclusivo da barbárie da guerra, eis que proeminentes figuras do mundo ocidental proclamam, e os media papagueiam, o isolamento mundial da Rússia.

De Lisboa a Washington, de Bruxelas a Paris, de Madrid a Berlim, todos se congratularam com a condenação da Rússia na Assembleia Geral da ONU, esgrimindo os 141 dos 193 países que assim se pronunciaram como a prova provada de que o «mundo» está com o Ocidente. Foi preciso Edward Luce, editor e principal comentador do Financial Times, vir dizer que o «Ocidente confunde a sua própria unidade com um consenso global» e que a «América corre o risco de se deixar seduzir pela sua própria mensagem de propaganda», para que os media ditos de referência admitissem nas suas páginas que os 35 países que se abstiveram, incluindo China, Índia, Vietname, Iraque e África do Sul, representam quase metade da população mundial, e que, se somados aos que votaram contra, temos a maioria do mundo desalinhado, incluindo tradicionais aliados dos EUA, como Israel, Arábia Saudita e Emirados Árabes.

A que se deve esta «necessidade» de mentir? Se calhar, é porque não se trata apenas, nem sobretudo, de condenar a guerra. Como o próprio Luce escreveu, estamos perante a perigosa «tendência habitual do Ocidente de reivindicar liderança moral», o que «cria três problemas. Em primeiro lugar, é hipocrisia. (…) Um segundo ponto a ter em conta é que o Ocidente é imprudente quando supõe que os seus valores são universais. (…) O terceiro ponto é que boa parte do mundo rejeita as sanções ocidentais».

Não é pois de estranhar que a necessidade de encontrar uma solução diplomática que ponha fim à guerra na Ucrânia esteja cada vez mais atolada em ruído. Biden, ao melhor estilo de Trump, revela-se tão arruaceiro que a Casa Branca tem de explicar que afinal ele não disse o que disse. Analistas económicos de todos os quadrantes dão como garantido o fim da globalização em nome da segurança, invocando a ameaça russa quando o que está em jogo é a ascensão da China a líder mundial, suplantando os EUA. Na União Europeia, o novo herói é Olaf Scholz e o programa de modernização das forças armadas alemãs com um fundo especial de 100 mil milhões de euros, e o grande desafio são os 2% do PIB para a defesa proposto pela NATO. Tudo pré-cozinhado, pronto a comer, não vá alguém por-se a pensar não só naquilo que é mas no que poderia ser.

 



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