Quem não quer a paz…

Cristina Cardoso

Armas, confrontação e ameaças é precisamente o que está na origem do conflito

A Acta Final da Conferência de Helsínquia, firmada em 1975 por 35 países (33 da Europa, mais os EUA e Canadá), foi um importante passo na afirmação de princípios das relações internacionais, segurança colectiva e desenvolvimento da cooperação na Europa, um caminho de desanuviamento e paz que ficou inscrito na história.

Após o fim da URSS e do campo de países socialistas, os importantes princípios alcançados em 1975 foram colocados em causa, dando lugar à proliferação de guerras de agressão a países soberanos, como é exemplo a Jugoslávia – mas também Afeganistão, Iraque, Líbia ou Síria – com o papel preponderante dos EUA e seus aliados da NATO. O caminho de segurança e paz que se procurou construir foi esboroado ao longo das últimas três décadas.

O clima de insegurança instalado, fruto da agressividade do imperialismo e da crise do capitalismo, tem levado, particularmente nos últimos anos, ao aumento dos orçamentos militares e à corrida aos armamentos e, por consequência, aos lucros escandalosos da indústria do armamento, particularmente do complexo militar-industrial dos EUA.

Em 2020, em plena pandemia, e face ao ano anterior, registou-se um aumento de 1,3 % na venda de armamento. A facturação das 100 maiores empresas da indústria militar foi de cerca de 469 mil milhões de euros, dos quais mais de metade diz respeito a empresas norte-americanas (dados do Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo – SIPRI).

Ainda segundo os dados do SIPRI, apesar de se ter registado uma ligeira queda nas transferências internacionais de armamento entre os períodos de 2012-16 e 2017-21 (-4,6%), as exportações de armas dos EUA e França aumentaram substancialmente, assim como as importações por parte de países da Europa (+19%), Ásia Oriental (+20%) e Oceânia (+59%).

Com o agravamento do conflito militar na Ucrânia, os estados membros da NATO correram a anunciar aumentos nos seus orçamentos militares e a sua Cimeira, realizada a 24 de Março, reafirmou o objectivo de alcançar 2% do PIB para os gastos de defesa de cada Estado membro. Biden acaba de propor para o orçamento de defesa dos EUA 813 mil milhões de dólares, um aumento de 4% face à proposta de há um mês.

Nesta doutrina do aumento da capacidade bélica, assistimos no último mês, no discurso dominante, do pensamento único, à normalização da ideia da promoção do militarismo e da guerra. Na comunicação social e nas redes sociais, os falsos pacifistas clamam pelo armamento. Os discursos inflamados de Zelensky, com algumas acusações pelo meio, dirigidas aos dirigentes ocidentais, apelam ao maior envolvimento dos países da NATO, arrancando aplausos e comoção das plateias a quem se dirige.

A instalação de mais forças da NATO nos países do Leste da Europa e os 100 mil militares norte-americanos instalados na Europa alimentam e instigam uma escalada de consequências imprevisíveis. O caminho para a paz não se faz com mais armas, confrontação, ameaças e sanções, precisamente os motivos que estão na origem do conflito.

Os EUA, a NATO e a UE não estão a promover a paz, estão a tornar o mundo mais perigoso.



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