Abril é Revolução

Jorge Cordeiro (Membro do Secretariado e da Comissão Política)

Comemorar Abril exige afirmar o que a Revolução representa e expressa enquanto revolução libertadora com profundas transformações na sociedade portuguesa e um dos mais altos momentos da vida e da história do povo português e de Portugal.

Abril deve ser celebrado a olhar para o futuro

Neste início de comemorações oficiais dos 50 anos da Revolução, é imperativo não deixar submergir o que ela foi e representou na avalanche interpretativa dos que lhe negam a sua natureza, alcance e características ímpares. Celebrar Abril é evidenciar o que foi o fascismo e combater o seu branqueamento, é destacar a luta antifascista, pela liberdade e a democracia. Celebrar Abril é assinalar o seu sentido transformador e revolucionário, não rasurar a memória colectiva que o envolve, afirmar o caminho que o tornou possível, rejeitar as perversões e falsificações históricas, denunciar os que o invocam para o amputar do seu sentido mais profundo, sublinhar o que constitui hoje de valores e referências para um Portugal desenvolvido e soberano que décadas de política de direita tem contrariado.

Por mais que reescrevam, Abril foi uma revolução, um momento e um processo de ruptura com o regime fascista. Não foi como alguns afirmam uma «evolução» ou «transição» entre regimes, mas sim o derrube do fascismo e do que o suportava, mesmo que branqueado por via do eufemismo Estado Novo. Uma revolução que, na sequência do golpe militar dos capitães de Abril, teve no levantamento popular e na aliança Povo-MFA a criação das condições para a liquidação da estrutura sócio-económica monopolista e latifundiária em que o fascismo se alicerçava.

Abril foi possível porque é fruto de uma longa resistência antifascista, de uma abnegada dedicação à luta pela democracia e liberdade de comunistas e de outros democratas, de uma intensa luta de massas da classe operária, da juventude, do povo. Quando hoje confessos inimigos da revolução, mesmo que enfeitados de cravo na lapela, proclamam que o 25 de Abril «não tem donos» é bom lembrar-lhes que Abril, sendo património do povo português, tem no caminho para a sua construção obreiros concretos que o tornaram realizável.

O 25 de Abril, com o que transporta de democracia e liberdade, será para todos mas não é, como alguns pretendem, «de todos». Abril não é dos que por ele foram derrotados ou que hoje perfilham o que esse regime representava, dos que contra ele conspiraram e conspiram, dos que ao longo de décadas perverteram e persistem em perverter o seu alcance.

 

Simbolismos e rasuras

Quando se salienta, por simbolismo, que passa mais tempo desde o 25 de Abril de 1974 do que tempo de regime fascista, assinala-se justamente hoje uma realidade que se contrapõe aos anos negros do fascismo. Mas importa sublinhar que se a realidade de Portugal, hoje, continua a ter a marca da Revolução de Abril e de muitas das suas conquistas, não é possível amalgamar, em nome do contraste de «regimes», estes 48 anos de regime democrático.

Não é possível, sem adulterar a história e a realidade, iludir a contrastante dimensão de um período de transformações revolucionárias que abriram um caminho de progresso e justiça social, de elevação das condições de vida e de efectivo protagonismo dos trabalhadores e do povo nos destinos da vida do País, com todo um outro longo processo contra-revolucionário de restauração e reconstituição do poder monopolista, de empobrecimento do regime democrático, de ataque a funções sociais, de promoção de mecanismos de exploração e de subordinação externa.

Quando hoje ouvimos repetir por aí a propósito do 25 de Abril que o que faltaria agora seria «fazer o que ainda não foi feito» percebe-se onde querem chegar. Não é o sentido mais avançado, justo e progressista que aspiram ver retomado, não é um país liberto do poder de dominação dos grupos económicos assegurado por interpostos representantes e não submetido à dependência e aos interesses da União Europeia que querem. O que aspiram é levar mais longe a concretização dos seus projectos de subversão do regime democrático, de ver a Constituição da República adequada aos seus objectivos de empobrecimento democrático, aos seus dogmas liberais e de livre pilhagem capitalista.

O 25 de Abril vive no Portugal democrático. A identificação dos jovens com Abril, que um estudo agora revelou, testemunha o valor que atribuem à democracia e à liberdade que hoje usufruem pelo que este assegurou. Ainda que a ofensiva contra o que a Revolução de Abril legou no plano dos direitos e das transformações sócio-económicas, lhes esteja a negar o futuro, a sequestrar a sua realização individual e colectiva, a limitar o poder de decidir das suas vidas e dos seus projectos em plena liberdade. É por isso que Abril deve ser celebrado a olhar para o futuro, projectando as conquistas e os valores que plasmou, convocando as energias e alegria de viver na luta pela construção de Portugal desenvolvido, de progresso e soberano.

 



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