Bifes com brioches

João Frazão

Segundo o Presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, que falava a propósito dos impactos da seca e das consequências da guerra e das sanções aplicadas à Rússia, os portugueses terão de se habituar a comer menos, tendo mesmo numa outra entrevista adiantado que a «alimentação não poder ser considerada um bem adquirido».

Esta é, apenas, a mais recente variante de múltiplas declarações que ouvimos quando há dificuldades, de que podemos lembrar as palavras de Isabel Jonet, que, em 2014, perante uma das maiores crises económicas e sociais, dizia que «se não temos dinheiro para comer bifes todos os dias, não podemos comer bifes todos os dias»; as do banqueiro Fernando Ulrich que, perguntando-se se o povo ainda aguentaria mais sacrifícios, respondia com um «ai aguenta, aguenta!»; as da senhora da caridade que, no meio de canapés, dizia que a crise para os pobrezinhos não era tão difícil de aguentar porque eles já estavam habituados; ou, ainda mais célebre, e indo mais atrás, as da Rainha Maria Antonieta que, perante a denúncia da fome que grassava nas camadas populares de França, terá aconselhado a que, uma vez que não tinham pão, comessem brioches.

Em momentos de aperto, já se sabe, os que lucram com as dificuldades da maioria, os que amassam as suas fortunas na desgraça alheia, têm sempre bons conselhos para os outros enfrentarem as adversidades, designadamente para ensinar a poupar o que não se tem.

As declarações de Oliveira e Sousa, não tendo nada de novo, são, entretanto, de assinalar, porque vêm de alguém que, representando produtores agrícolas, deveria pugnar exactamente pelas vantagens de garantir a todos uma alimentação digna e saudável, que lhes traria maiores possibilidades de escoamento das suas produções.

Mas também porque elas são feitas por quem é o principal rosto dos que, ao longo das últimas décadas, amealharam rios de dinheiro de apoios públicos, apenas como renda garantida do direito divino à propriedade, mesmo que os poderes terrenos não lhes imponham a obrigação de produzir alimentos.

E ainda porque elas revelam a sua determinação de, como fizeram ao longo das últimas décadas, ao invés de se concentrarem na garantia da alimentação do nosso povo, continuarem a olhar apenas para as possibilidades de potenciar os seus lucros. No fundo, continuarem a comer bifes com brioches.



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