Esse «mundo ocidental»

Jorge Cordeiro

Nesta maré de propaganda de guerra e na onda de quem dela se aproveita para delas lucrar e, também, para com elas alcançarem a hegemonização mundial e definitiva dominação política, militar e económica que o imperialismo norte-americano tem como projecto planetário, emerge a laboriosa teorização para a justificar. Entre o que por aí tem sido escrito por propagandistas da coisa, seja João Miguel Tavares, Manuel Carvalho ou alguns outros, saliente-se o arrasador argumento do «mundo ocidental», cuja força de «exemplo e valores» estaria a ser jogada em termos de sobrevivência.

Para este tipo de propagandistas, o «Ocidente» seria a estrela polar (ainda que manchada por estar a Norte e não a O)este), a bússola (que a defeituosa presença de pontos cardeais desnecessários terá levado a UE a redefini-la de «estratégica»), o alfa e ómega da civilização humana. Sem subestimar o alcance de tal propaganda, percebe-se que o «valor» não é meramente cardinal. Para eles, «ocidente» é sinónimo, seja qual for a longitude, de dominação capitalista, de sobrevivência de um sistema iníquo, desumano, predador, agressivo.

Não sei se deve presumir que o afã desta gente que aqui e no mundo gravita resulte de verem nesse «ocidente» o regresso de autos de fé dos idos anos 30 na Alemanha em pleno ascenso do nazismo, agora não com a mera pira de livros proscritos, mas com a rasura de qualquer vestígio cultural «não ocidental», seja a obra de Prokofiev, Tolstoi ou Dostoiévski, seja a proibição do Lago dos Cisnes de Tchaikovsky. Não sei se deve presumir que este afã de aplaudir a exclusão de atletas por razão de nacionalidade (incluindo os paralímpicos) se determine por não poderem suportar que um qualquer atleta dessas paragens se atreva a fazer o que o velocista negro Owen fez nos jogos olímpicos de Berlim para humilhação de Hitler.

Presume-se que o «mundo ocidental» que defendem seja aquele que impunemente bombardeie durante 78 dias, a começar pela sede da televisão, uma capital europeia como Belgrado (cujo azimute geográfico carece de verificação porque só por erro de localização pode ter sido plantada nesse maravilhoso ocidente). Para lá do que se possa ou deva presumir, há uma certeza: esse «mundo ocidental» e «livre» que defendem é o que visa perpetuar a exploração, lançar na fome e na doença milhões de seres humanos, fazer da guerra e do sofrimento humano fonte de acumulação de riqueza.



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