Oportunidades

Gustavo Carneiro

Dizem alguns que uma crise é sempre uma oportunidade. Sempre não será, e muito menos para todos. Mas por vezes, e para alguns poucos e particularmente poderosos, assim é.

Foi a crise provocada pelos atentados de 11 de Setembro de 2001 que deu à administração de George W. Bush a oportunidade de, em nome da segurança nacional, aprovar legislação abertamente antidemocrática. Ao abrigo do Acto Patriótico, generalizou-se a vigilância global sobre comunicações e dados pessoais; abriu-se a possibilidade de rusgas sem mandato e de detenções sem julgamento; banalizou-se a prática da tortura nas prisões secretas da CIA e em Guantánamo (que, apesar das promessas, permanece em funcionamento).

Esta pulsão contra as liberdades e garantias não se ficou pelo lado de lá do Atlântico: demonstram-no a cumplicidade de vários Estados com os voos secretos da CIA, a França em estado de excepção permanente ou a Espanha da Lei Mordaça.

A guerra ao terrorismo, decretada logo após os atentados, deu cobertura às agressões contra o Afeganistão e o Iraque, ao espezinhar do direito internacional, à militarização de cada vez mais áreas da sociedade, a um novo impulso à indústria do armamento. Na generalidade da comunicação social, nenhum questionamento, dúvida ou inquietação.

Mais recentemente, a crise da COVID-19 resultou numa imensa concentração de riqueza. Nos EUA, os milionários tiveram a oportunidade de aumentar as suas fortunas em 70 por cento, enquanto milhões caíam no desemprego e na ajuda alimentar e muitos, privados de assistência médica, morriam de doença: em Agosto de 2021, 754 pessoas combinavam tanta riqueza quanto a metade mais pobre dos norte-americanos. No topo da lista estão os magnatas (já podemos dizer oligarcas?) Jeff Bezos e Elon Musk.

Também por cá, as maiores empresas somaram aos seus elevados lucros alguns milhões suplementares em fundos públicos (que faltaram ao SNS), ao mesmo tempo que aproveitaram para despedir, fragilizar vínculos laborais e desregular ainda mais os horários de trabalho. Para outros, sobrou o desemprego, o lay-off, a falência.

Agora é a crise suscitada pelo conflito no Leste da Europa a constituir mais uma oportunidade: para continuar a valorizar a já fulgurante indústria do armamento (a cotação em bolsa das principais empresas disparou); para elevar finalmente as despesas militares dos membros europeus da NATO ao almejado patamar dos dois por cento do PIB; para especular com o preço dos combustíveis, da energia e dos bens alimentares; para censurar vozes incómodas; para ajudar a legitimar forças e personalidades xenófobas, fascistas e neonazis, apresentando-as com uma nova face – a de combatentes pela liberdade e, seja lá isso o que for, peloOcidente.

Sim, a crise de muitos é sempre a oportunidade de alguns. A que preço?




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