Com a Susan a balizar

Manuel Gouveia

Em boa hora de­cidiu a mul­ti­na­ci­onal Go­ogle editar uma news­letter «Go­ogle Brief». O seu pri­meiro nú­mero in­clui um ar­tigo da CEO do You­tube, Susan Woj­cicki, que co­meça com este edu­ca­tivo pa­rá­grafo: «Quando Susan es­tava a crescer, o pai fugiu da Po­lónia co­mu­nista para os EUA, mas o avô não con­se­guiu fugir e viveu atrás da Cor­tina de Ferro. Sempre que Susan es­crevia ao avô, pre­o­cu­pava-se com a pos­si­bi­li­dade de ser cen­su­rada.»

(E tinha ra­zões para tal. Hoje sabe-se que os EUA fil­travam e fis­ca­li­zavam todas as cartas re­me­tidas para a Po­lónia, apesar da sua pró­pria le­gis­lação o proibir, cen­su­rando as cartas de todas as ne­ti­nhas aos seus avós. Hoje fazem-no, com a cum­pli­ci­dade da go­ogle e ou­tras em­presas, a todas as co­mu­ni­ca­ções elec­tró­nicas sem dis­tinção de laços fa­mi­li­ares ou países de des­tino.)

E logo no pa­rá­grafo se­guinte, a Susan con­tinua: «No sé­culo XXI, as em­presas, a so­ci­e­dade civil e os go­vernos en­frentam de­sa­fios sem pre­ce­dentes e estão a tra­ba­lhar no sen­tido de ba­lizar a li­ber­dade de ex­pressão.»

Aquele «ba­lizar» até ar­ranha, mas é só quando a Susan nos apre­senta os seus prin­cí­pios sobre a re­gu­la­men­tação da li­ber­dade de ex­pressão on­line que per­ce­bemos com cla­reza que ela não está a de­nun­ciar a cen­sura, está a de­fendê-la: «Os go­vernos de­mo­crá­ticos devem dar às em­presas ori­en­ta­ções claras sobre os dis­cursos ile­gais»; «As em­presas devem ter fle­xi­bi­li­dade para de­sen­volver prá­ticas res­pon­sá­veis para lidar com dis­cursos le­gais mas po­ten­ci­al­mente per­ni­ci­osos».

Que claro e re­fi­nado (digno de uma CEO) o pen­sa­mento da Susan... e os go­vernos de­mo­crá­ticos... e quem será que de­cide quais os go­vernos que são de­mo­crá­ticos e quais os que não o são? Quais os que podem cen­surar e quais os que não podem?... e quem será que de­cide quais os com­por­ta­mentos le­gais mas po­ten­ci­al­mente per­ni­ci­osos?

E a res­posta é sempre uma e a mesma: a Susan na de­fesa dos in­te­resses dos grandes ac­ci­o­nistas que ela serve. Como di­riam na Po­lónia do avô da Susan: o grande ca­pital.




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