Peão de brega
Foi preciso três dezenas de mortos no Canal da Mancha para que a tragédia dos migrantes na Europa voltasse a ser recentrada. Após semanas de massacre mediático sobre a situação que se vive na fronteira da Polónia com a Bielorrússia, até parecia que o drama dos migrantes era da exclusiva responsabilidade de Lukashenko. Não é o caso, por mais culpas que o presidente bielorusso pudesse ter no cartório, nesta como noutras matérias.
Voltemos à catástrofe de Lampedusa, em 2013, quando 368 migrantes morreram afogados no Mediterrâneo. O horror e a indignação que então abalaram as consciências levou a operações de resgate sem precedentes, mas foi sol de pouca dura. Desde esse trágico Outubro morreram no Mediterrâneo mais de 20 mil pessoas, segundo dados divulgados no ano passado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e pela Organização Internacional para as Migrações.
Não se pode aceitar que «mulheres, crianças e homens que fogem da violência continuem a perder a vida no mar, devido à escassez de meios de emergência», afirmaram então as duas organizações. Mas o facto é que não só se aceitou como a União Europeia se mostrou mais expedita a fechar portas do que a ser solidária.
A Grécia andou desaparecida dos radares, no entanto o país recebeu em 2019 a maioria de migrantes na região mediterrânica: de um total de 77,4 mil, acolheu 45,6 mil pessoas, mais do que Espanha, Itália, Malta e Chipre juntos. Agora, a grande notícia é a abertura de campos de onde apenas se pode sair durante o dia, cercados por arame farpado e equipados com câmaras de vigilância. O objectivo é «libertar as ilhas do problema» dos migrantes, diz o ministro com a respectiva pasta, Notis Mitarachi. Segundo números da ONU, estão na Grécia cerca de 96 000 refugiados e requerentes de asilo.
Por aqui se vê que por mais dramática que seja – e é – a situação na fronteira polaca-bielorussa, o que na verdade está em causa não é uma questão de direitos humanos, como se quer fazer crer, mas um jogo político em que se usa os migrantes como carne para canhão, cabendo à UE o degradante papel de peão de brega dos EUA no assédio à Rússia, via Lukashenko, em mais uma acha para a fogueira da guerra fria.